Ano VII

TOP 10 2015

quarta-feira jan 20, 2016
American+Sniper+Bradley+Cooper+crying

Sniper Americano, de Clint Eastwood – Nosso filme favorito de 2015

 

TOP 2015

Houve um consenso a respeito do circuito comercial brasileiro em 2015. Foi o melhor ano desde que a Interlúdio nasceu. Se notarmos que boa parte dos filmes da lista geral e das listas individuais é, na verdade, de 2014, incluindo aí os mais pontuados, talvez o otimismo diminua, mas o resultado de certa forma mostra algumas tendências animadoras.

Não tanto no cinema brasileiro, que vive sobretudo do talento de veteranos como Tonacci, Rosemberg e Bressane, mas sensivelmente no internacional. Afinal, é sempre louvável que possam lançar seus filmes, como o fizeram em 2014, grandes diretores como Eugène Green, Jean-Luc Godard, Clint Eastwood, Paul Vecchiali e Pedro Costa (para citar um filme que infelizmente ainda está ausente de nosso circuito: Cavalo Dinheiro).

Em nossa lista, um filme controverso ganhou a primeira posição, um filme pouco visto (e não visto por quatro de nossos votantes) conseguiu conquistar a sexta, dois novíssimos longas de cineastas já consagrados cravaram quarta e quinta posição, enquanto um mestre ocupa a segunda posição com seu novo filme e um dos maiores cineastas deste século fica em terceiro. Ainda temos um filme surpreendente de terror, um blockbuster igualmente surpreendente, no qual um veterano dá um banho de vitalidade nos Marvel-boys, um anteriormente desconhecido diretor francês e um velho conhecido de todos ocupam, respectivamente, a oitava e a nona posição (em empate com o veterano do blockbuster).

Sem mais, vamos, então, aos nomes dos filmes e dos diretores. (Sérgio Alpendre)

1. Sniper Americano – 234 pontos (9 menções)

2. Adeus à Linguagem – 204 pontos (9 menções)

3. La Sapienza – 154 pontos (7 menções)

4. Para o Outro Lado – 134 pontos (6 menções)

5. Mia Madre – 116 pontos (6 menções)

6. Já Visto Jamais Visto – 94 pontos (5 menções)

7. Corrente do Mal – 90 pontos (5 menções)

8. Noites Brancas no Píer – 74 pontos (4 menções)

9. Mad Max – Estrada da Fúria – 70 pontos (4 menções)

A Pele de Vênus – 70 pontos (4 menções)

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1. Sniper Americano  (American Sniper, 2014), de Clint Eastwood – 234 pontos (9 menções)

Passado um ano do lançamento de Sniper Americano em nossos cinemas e, consequentemente, das infindáveis e, no mais das vezes, estéreis discussões políticas e morais que o seguiram, são com algumas de suas cenas que ficamos quando pensamos, hoje, no filme.

De todas, a mais bonita me parece aquela que segue, imediatamente, a tempestade de poeira (outro instante memorável, absolutamente diferente daquele do qual irei me referir): Kyle bebe um chope, sentado ao balcão de um bar tipicamente americano, a televisão transmitindo um jogo de basquete. A fotografia de Tom Stern, até então luminosa, volta àquela escuridão que se tornou tão característica de seus trabalhos com Clint Eastwood. O boné afunda ainda mais o rosto do atirador de elite na penumbra. O telefone vibra e é Taya, sua esposa. Ela pergunta onde ele está, na Alemanha, talvez.

Nove meses depois, ele está de volta aos Estados Unidos, mas não consegue retornar a sua casa. De fato, jamais conseguirá e é este o momento no qual Taya vê materializado um voto feito exatamente na primeira conversa que eles tiveram, na ocasião que se conheceram, em um outro bar, incomparavelmente mais vivo, incomparavelmente mais claro. Naquela noite distante, em meio aos flertes iniciais, Kyle categoricamente lhe afirmou, para sua incompreensão: “Eu morreria pelo meu país”.

Bruno Cursini

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2. Adeus à Linguagem (Adieu au Langage, 2014), de Jean-Luc Godard – 204 pontos (9 menções)

Não deixa de ser um grande lugar comum afirmar que, ao longo de sua extensa carreira, Jean-Luc Godard permanece um cineasta imbuído em repensar e recriar o cinema. Mas também não deixa de ser uma verdade incontestável. A cada novo momento em que essa arte se potencializa, a cada novo recurso técnico ou narrativo que surge, vemos o velho Jean-Luc se atirar a sua eterna missão de desbravar a seu modo os caminhos da criação com o vigor e a vontade de um garoto, convidando o espectador a ser seu cúmplice nesse desbravamento. E assim foi com Adeus à Linguagem. Temos aqui o cinema em 3-D levado a se tornar uma nova experiência, na qual o objetivo deixa de ser impressionar a plateia com efeitos superficiais de imagens, mas fazê-la criar, por si mesma, os efeitos que desejar. A plêiade de citações evocadas pelo cineasta enriquece, mas não limita a apreciação desses magistrais 70 minutos de um trajeto compensador e, por que não, extremamente divertido, àqueles que assumirem de coração aberto o papel de cúmplices do grande mago que manipula e gerencia de forma soberba esse circo chamado cinema.

Gilberto Silva Jr. 

 

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3. La Sapienza (2014), de Eugène Green – 154 pontos (7 menções)

Mais uma vez é necessário dizer: Eugène Green é um dos grandes cineastas contemporâneos. E finalmente estreia em circuito comercial no Brasil, após retrospectivas de sua obra integral circularem por Belo Horizonte, São Paulo e Curitiba.

Numa época em que pose artística vale mais do que inquietação transformada em filme, Green realiza seu cinema eminentemente pessoal sem se preocupar com modismos e correntes. Pelo contrário: se pensarmos em alguns dos bons curtas brasileiros feitos nos últimos anos (Frineia, Reconciliados), percebemos que Green pavimentou para os novos tempos uma corrente já bem explorada no passado, a do anti-naturalismo.

A arte barroca, sempre presente em seus filmes, é aqui representada pela arquitetura de Borromini e Bernini. Basicamente, entre a intuição (Borromini) e a razão (Bernini), na personalidade conflituosa do arquiteto francês que vai à Itália para estudar o primeiro, mas sabe que, em espírito, está mais para o segundo. No contato com um jovem estudante de arquitetura, esse homem metódico e pouco afeito à experiência adquire, aos poucos, a abertura para, talvez, se aproximar mais de Borromini, deixando o espectro de Bernini em segundo plano.

Sérgio Alpendre

 

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4. Para o Outro Lado (Kishibe no Tabi, 2015), de Kiyoshi Kurosawa – 134 pontos (6 menções)

Sem grandes exageros é possível dizer que há algo em comum, algo que permeia algumas das grandes obras de 2015 contempladas nessa lista. Tal fator é um radical movimento de depuração do olhar e da concepção da obra, algo que se observou em alguns dos grandes cineastas que tiveram seus filmes estreados no circuito brasileiro em 2015. Sniper Americano, Adeus à Linguagem, La Sapienza, Já Visto Jamais Visto e Noites Brancas no Píer são, invariavelmente, filmes radicais, no sentido de que o gesto esboçado por seus realizadores é de uma brusca redução, a procura de uma raiz, de uma síntese, o ato de encontrar o núcleo central de sua obra e sobre ele realizar um vertiginoso mergulho. Um gesto classicista dotado, porém, de uma disposição eminentemente experimental.

O último filme de Kiyoshi Kurosawa se encaixa igualmente no movimento geral esboçado por tais obras. Uma mulher perde o marido que, algum tempo depois, reaparece e tenta reestabelecer a convivência com ela. A partir de tal simples circunstancia, Kurosawa filma a jornada desse casal, de onde brotam suas mais desconcertantes considerações sobre as fraturas da existência, já esboçadas em outros filmes seus que lidavam mais diretamente com a matriz do gênero de terror (Kairo e A Cura, notadamente). Nada de fantasmagorias fugidias ou qualquer coisa que o valha aqui. Para o Outro Lado é um filme de 2015 radicalmente fundado sob o realismo ontológico baziniano, um rasgo, um respiro que restaura as dúvidas e fraturas inerentes ao cinema, dentro de um mundo no qual as imagens, apesar de uma suposta diversidade e de uma onipresença que lhe garantem uma certa centralidade, servem cada vez mais para a instrumentalização da razão e dos sentimentos.

Guilherme Savioli

 

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5. Mia Madre (2015), de Nanni Moretti – 116 pontos (6 menções)

Acima de tudo, a vida. O cinema de Moretti é a busca eterna por resolver questões aparentemente menores: para que serve o latim, onde colocar a câmera, se dentro ou fora da ação, etc. Ao compartilhar as dúvidas filmando-as, o cineasta toca a alma não só daqueles que já estiveram em um set de filmagens na posição de alguém que toma decisões, ou precisou lidar com a morte da mãe, mas, simplesmente, de qualquer um, pois, decidir é esquecer, escolher é, também, perder. É com tais fantasmas que travamos embate dia após dia, hora após hora.

Mia Madre dá corpo ao fantasma, para que possamos senti-lo. Tudo morre, o latim, a mãe, a memória. O cinema é a forma ideal para fixar a perda, mas não qualquer cinema: só aquele que reconhece o postulado mais básico do básico Sócrates: da perda, nasce o ganho, da tristeza, nasce o humor, do passado, o futuro. A dicotomia, quase sempre presente na filmografia de Moretti, atinge o ápice da simplicidade e pureza em Mia Madre na cena final, que inscreve no plano um dos mais belos epitáfios já filmados, que ao invés de encerrar, avança.

Wellington Sari

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6. Já Visto Jamais Visto (2014), de Andrea Tonacci – 94 pontos (5 menções)

Rejuvenescimento, memória, descobrimento, mistério: sensações que me atravessaram quando assisti pela primeira vez a Já Visto Jamais Visto – tão fortes que nem mesmo as intervenções desastrosas de Carlos Augusto Calil e Patrícia Moran no debate pós-exibição no Cinusp causaram arranhões.

Pois tudo neste filme de Andrea Tonacci faz sentido enquanto se assiste. Um sentido que é, inicialmente, de ordem sensorial: entende-se que é o mistério que está a guiar esse ato de olhar uma vez mais para imagens/memórias/dados do passado (o longa é uma organização de filmes inacabados com filmagens caseiras). Num segundo momento, um sentido puramente racional: a voz invisível do autor vem à superfície, elaborando sobre origens familiares (viagem à Itália), a genealogia das suas primeiras imagens como diretor, em suma, buscando com gana a mesma chave que o menino esconde em um de seus projetos inacabados (o qual vemos um longo trecho em Já Visto Jamais Visto).

Trata-se de um filme que se descobre. Assim o é porque assim ele foi feito: com uma nova curiosidade de (re)descobrimento – a montagem de Cristina Amaral é imprescindível para encontrar os pontos de conexão e permitir que essas sensações venham à superfície. E assim o é para quem o assiste: mergulhando no mistério. Assistir a Já Visto Jamais Visto é entrar, como o menino, naquela assustadora masmorra onde a Igreja Católica praticou torturas.

O filme acontece ali, no escuro após a porta de entrada, na expectativa do que está por vir.

Heitor Augusto

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7. Corrente do Mal (It Follows, 2014), de David Robert Mitchell – 90 pontos (5 menções)

Se o gesto majoritário apresentado por Eastwood, Godard, Kurosawa, Green e Vecchiali em 2015 foi a radicalização rumo a um núcleo central de sua obra e de suas preocupações, reduzindo sua expressão a um efeito mínimo, um golpe contido, mas que conseguisse se amplificar justamente a partir dessa essencialidade, o segundo longa de David Robert Mitchell – sétimo lugar em nossa lista – parece se colocar nas antípodas de tal trajetória.

Em seu primeiro filme, The Myth of the American Sleepover (2010), existia um peso no olhar do diretor para aquele universo juvenil americano. Cada plano parecia querer esgotar sua significação, explorando ao máximo todos os meandros materiais e existenciais daquele ambiente social, conferindo-o de fato um estatuto quase “mitológico”, e assim estabelecendo a linha narrativa que conduzia a obra. Agora em Corrente do Mal Mitchell parece intensificar ainda mais seu olhar e sua encenação, beirando um maneirismo que inevitavelmente surge assombrado pelos filmes de John Carpenter. Obra arriscada, imperfeita, mas que através dessa ainda mais potente intensificação do olhar para aquele universo – no caso as ruas e ruínas de Detroit – Mitchell, paradoxalmente, em suas longas panorâmicas pelas ruas, bem como em seus ambientes cuidadosamente estilizados, extrai o horror simplesmente do caminhar de um personagem na profundidade de campo. Estamos longe, portanto, de uma réles e rasa metáfora ou de uma reedição/plágio da obra carpenteriana, mas sim de um agudo olhar para a realidade americana, que não se furta em lidar com a história das formas artísticas estabelecidas pelo gênero ao longo das décadas.

Guilherme Savioli

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8. Noites Brancas no Píer (Nuits Blanches Sur la Jetée, 2014), de Paul Vecchiali – 74 pontos (4 menções)

Eis o filme que apresentou o diretor Paul Vecchiali para o público brasileiro. Que eu saiba, foi seu primeiro filme a chegar a nosso circuito, e se houve algum antes, certamente foi há muito tempo. Vimos os efeitos disso na última Mostra Internacional de SP, quando as sessões de É o Amor, seu filme seguinte, foram bastante procuradas. É o Amor é provavelmente melhor, porque mais maluco, mais imprevisível, mais Vecchiali. Mas Noites Brancas no Píer tem um encanto que também brota do inesperado, de uma reação de seu ator principal (Pascal Cervo), de uma dança vinda do nada de sua atriz principal (Astrid Adverbe), de uma crescente evolução na paixão dele por ela, do aparecimento do homem pela qual ela esperava, e até mesmo pela aparição inicial do próprio Vecchiali (que vai se repetir, de maneira acachapante e bem diferente, em É o Amor). É um dos filmes mais palatáveis do diretor, e talvez tenha sido melhor assim. Sua obra pode assim se tornar mais conhecida. Ainda que os cinéfilos quadrados de hoje possam estranhar suas ousadas obras anteriores. Já imaginaram o fã de Ninfomaníaca descobrindo Change Pas de Main?

Sérgio Alpendre

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9. Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015), de George Miller – 70 pontos (4 menções)

George Miller não precisa de mais do que vinte minutos para nos instalar no universo meticulosamente construído do filme, nos oferecendo uma verdadeira visão do inferno: são pequenos relances sobre corpos grotescos e peles descamadas, que mal chegam a respirar sob uma atmosfera arenosa e hostil. Esse universo é constituído com um detalhismo e uma economia impressionantes antes que possamos, enfim, cair na estrada — onde tudo começa para não terminar mais. Miller faz do movimento o leitmotiv do filme: não falamos aqui de uma mera agitação, amorfa e desordenada, como na maior parte dos filmes de ação recentes, mas de um movimento único, fluido, harmônico e vital em direção ao nada, cruzando o deserto, esta locação mitológica por excelência, espaço eterno e sem fim do qual nós, o mundo “civilizado”, constituímos apenas uma parte insignificante.

Calac Nogueira

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9. A Pele de Vênus (La Vénus à la Fourrure, 2013), de Roman Polanski – 70 pontos (4 menções)

Uma peça baseada em Sacher-Masoch está sendo burilada por um diretor teatral. Mas eis que o momento atual dá as caras e impossibilita essa nova adaptação, ao menos de acordo com o que queria o diretor. Estamos, portanto, diante da velha discussão sobre o politicamente correto e seus exageros. Para alguns, a peça deveria ser adaptada aos novos tempos. Mas como, se o diretor pretende fazer com que ela se passe na época em que o escritor a concebeu? A coisa, na verdade, é mais cruel. Porque a personagem vivida por Emmanuelle Seigner revela-se uma atriz ideal, senão perfeita, e assim perdemos o que seria uma excelente encenação em nome da correção de uma injustiça, que seria muito melhor corrigida nas entrelinhas, ou mesmo em camadas mais delicadas, que o público pudesse apreender. Adaptar aos novos tempos seria isso, um processo de adição e subtração, ou melhor, de adequação, não tornar sua realização impossível. Perdemos a obra de arte. O que ganhamos?

Sérgio Alpendre

 

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