Ano VII

A Pele de Vênus

terça-feira dez 15, 2015

venus

A Pele de Vênus (La Vénus à la Fourrure, 2013), de Roman Polanski

JURA DE AMOR ETERNO

É inequívoco que, desde o início de sua carreira, Roman Polanski se caracteriza como um cineasta que exerce amplo domínio sobre o ato de filmar em espaços exíguos ou cenários únicos. São inúmeros os seus filmes onde a ação se concentra em um apartamento. É com propriedade um dos cineastas que melhor consegue transpor as fronteiras entre as linguagens teatral e cinematográfica. Apesar disso, seus filmes diretamente baseados em peças teatrais, como o fraco A Morte e a Donzela (1994) ou o não mais que eficiente Deus da Carnificina (2011) acabaram resultando em trabalhos impessoais.

Ao adaptar para a telona a peça Venus in Furs, escrita pelo americano David Ives, Polanski consegue agora concretizar a difícil tarefa de pegar uma obra alheia e se apropriar dela como sua. Uma das maiores curiosidades vividas ao se assistir a A Pele de Vênus é a constatação de como a criação artística pode ser um eterno ato de recriação de trabalhos alheios. Do romance escrito por Sacher-Masoch em 1870, Ives retira inspiração para sua peça que é completamente ressignificada através do olhar e da câmera de Polanski.

Seguindo com fidelidade o texto original, Polanski realiza, a partir do mais puro exercício de mise-en-scène cinematográfica, seu melhor e mais pessoal filme em muitos anos. Impressionante como o diretor retira uma íntima sintonia com o texto de Ives para falar de si próprio. Algumas de suas alterações são superficiais, como a transposição do teatro onde a ação decorre de Nova York para Paris. Uma delas, porém, é determinante para sua visão da peça: o aumento da idade da atriz aspirante ao papel dos 20 e poucos anos demarcados na peça original para uma mulher madura e balzaquiana.

Pois é daí que surge a identidade, digamos assim, “polanskiana” no filme ao qual assistimos. A Wanda criada por Ives renasce na pele de uma magistral Emanuelle Seigner, esposa do cineasta há quase três décadas. Não é, também, de graça, que o diretor-personagem Thomas Novacek encarna num Mathieu Amalric caracterizado como um espelho do próprio Polanski. Este usa o texto teatral como forma nada sutil, porem muito apaixonada, de recriar sua longa relação com Seigner e a forma através da qual ela parece ter tomado domínio de sua vida, sua carreira e seu monumental ego.

Com um trabalho de câmera e montagem dignos de uma impressionante fluidez, que jamais deixa transparecer a unidade espacial e temporal da ação como uma narrativa estática, e, sob a pontuação vibrante da eficaz partitura musical de Alexandre Desplat, Polanski faz de seu A Pele de Vênus a mais inspirada declaração de amor possível a Emanuelle Seigner.

Gilberto Silva Jr.

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