Ano VII

Abismo Prateado

sexta-feira mai 3, 2013

Abismo Prateado (2011), de Karim Aïnouz

Após a aridez cintilante de O Céu de Suely, Karim Aïnouz volta ao longa-metragem de ficção com uma sucessão de imagens noturnas, exibindo ondas em um mar agitado. Como um animal (peludo, forte, seminu), dali sairá um homem que, após uma noite de sexo lascivo com a esposa – Violeta (Alessandra Negrini) –, irá abandoná-la com o filho, para não mais reaparecer. É com ela que passaremos o resto da projeção, acompanhando sua degradação e seu renascimento, seu desespero e sua serenidade reencontrada.

Neste início, ficamos com a impressão de um retorno do diretor aos seus trabalhos inicias (mais contundentes e urgentes) ou, ao menos, a um ponto de equilíbrio entre isso e a rarefez etérea de suas obras mais recentes; seja para a tevê, como a série Alice, produzida pela HBO, seja para o cinema, com Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo. A busca por esta suposta visceralidade perdida manifesta-se de inúmeras maneiras: a primeira,  sendo a marca no pescoço desta mulher desamparada, evidenciada na manhã seguinte à referida noite de sexo com seu marido, e que Aïnouz terá o cuidado de sempre deixar em quadro.

Outros sinais não faltarão: ela é dentista, e a boca ensanguentada de um paciente e dois (!) acidentes nos quais ela se envolverá ao longo do dia (o filme se passa em pouco mais de 24h), irão denotar um cosmo que conspira em sua oposição (bem como a dureza de uma cidade em edificação). Para mostrar a desolação absoluta da personagem, a certa altura a encontramos em um motel, sozinha, em um quarto vermelho e congelante, com o ar-condicionado quebrado no máximo e a janela que não se abre, impedindo, assim, que um pouco do calor das ruas do Rio de Janeiro possa aquecer o local.

Ainda nesta sofrível cena, Violeta liga a televisão para ver Tony Ramos em alguma novela, recitando lugares-comuns. Minutos depois, a personagem pega o celular para reouvir o recado de seu esposo, impassivelmente despedindo-se (tal informação era velada ao espectador, até o momento) e, aí, a coisa toda é tão descuidada, que poderíamos achar (completamente desatentos, já neste ponto) tratar-se da televisão novamente – só para ter-se ideia do ridículo do conteúdo da mensagem.

Após Suely, Alice e, agora, Violeta, já se reconhece facilmente a mulher típica de Aïnouz (indo mais fundo nisso, temos o texto de Heitor Augusto, aqui mesmo, na Interlúdio): todas buscam, normalmente através de uma viagem (que aqui nunca se dá), fugir de (Alice), ou encontrar (O Céu de Suely, Abismo Prateado), um amante. São mulheres que surgem debilitadas para, ao final, descobrirem-se livres e emancipadas.

Criando um contraponto à personagem principal, surgem um pai e uma filha, também em meio a um itinerário incerto, também sofrendo as dores de uma negligência afetiva. Em certo momento, o homem irá pedir a Violeta: “não se machuque mais não”. É esse o tamanho da confiança que o cineasta parece, hoje, colocar na sensibilidade de seu público, tornando estéreis suas elipses e tempos mortos de até então.

Livremente inspirado em "Olhos Nos Olhos", de Chico Buarque (a música surgirá diegética e não-diegéticamente, ambas próximas de sua conclusão), a história, é claro, acabará com a personagem “refeita, pode crer”. Para isso, a aurora e o Pão de Açúcar, ao fundo. Aos análogos pai e filha, uma longa estrada à frente. Um novo dia, ao final de um filme caduco. Pobre Chico. Pobre Karim. 

Bruno Cursini

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br