Ano VII

Últimas Conversas (Texto 2)

segunda-feira jun 1, 2015

ultimasconversas2

Últimas Conversas (2015), de Eduardo Coutinho

50% / 50%

Difícil deixar de lado a sensação de que o protagonista deste último filme de Eduardo Coutinho é, na realidade, o próprio Coutinho. Pode-se conjecturar sobre as liberdades tomadas por João Moreira Salles e Jordana Berg durante a montagem do material, e há poucas dúvidas aqui de que, tivesse completado o filme o próprio diretor, o resultado seria ligeiramente diferente. Mas um “ligeiramente” que faz toda diferença, como os créditos do filme não se dão o trabalho de negar, explicitando esta “autoria compartilhada” (trata-se de “um filme de Eduardo Coutinho montado por Jordana Berg e finalizado por João Moreira Salles”). Pode-se enxergar, nesse sentido, dois filmes no interior de Últimas conversas: um sobre os adolescentes, outro de homenagem, do produtor e da montadora, ao próprio Coutinho.

Há, claro, a cena inicial, que desde o começo joga Coutinho no centro do filme. Mas há igualmente vários outros momentos em que o filme deixa vazar o áudio de Coutinho e este, extrapolando a linha que demarca sua função de entrevistador, se torna o real protagonista da cena. A principal delas é quando Coutinho arremata brilhantemente o depoimento de um rapaz: “Então, você achava os adolescentes idiotas, o que é verdade. Só que você não podia achar isso, porque você era adolescente.” A frase dita em off não obscurece o depoimento rapaz, sua fala, seu relato, mas coloca Coutinho em pé de igualdade com ele.

Outra cena significativa é aquela em que Coutinho pede a uma das meninas que deixe a porta aberta (“para encerrar o filme”). O efeito aqui é o de um making of, expondo a consciência e o total domínio do diretor do dispositivo mínimo que construiu para si desde Jogo de Cena (sair “do mundo” e para se concentrar naquilo que realmente o interessa: o entrevistado; criar um espaço abstrato de depuração  para isolar a expressão e o gesto humanos, eventualmente demonstrando sua fabricação).

Vemos também Coutinho tagarelar em off coisas que emudecem os jovens (“a vida não é amor ou morte. É amor e morte.”) e expor suas próprias dúvidas (“nunca sei se devo cumprimentar ou não”). E, como se ainda fosse necessário reforçar este “segundo filme” paralelo ao dos adolescentes, em pelo menos dois momentos Jordana Berg e João Moreira Salles deixam vazar áudio da equipe sem nenhum entrevistado em cena (primeiro, num momento de descontração diante da cadeira vazia, imagem solitária que não deixa de soar como um “elogio do dispositivo”; depois, nos créditos finais).

E há o final, a entrevista com a menininha que, sejamos francos, pouco tem a ver com o filme dos adolescentes. Esta espécie de epílogo, se por um lado sugere a intenção de um projeto futuro do diretor (um recuo natural a uma fase anterior da vida, sobretudo pela frustração exposta com os adolescentes na cena inicial), por outro, opera um simbolismo bastante forte diante da morte de Coutinho: a conversa evidencia a condição de  “ancião” do diretor ao mesmo tempo em que aponta para um certo recomeço (retorno cíclico?) na tentativa de registrar o início da vida.

Seria preciso ainda falar sobre a parte dos adolescentes, que, diferentemente do que sugere Coutinho no início, nos parece um material bastante forte e sincero, à altura de seus melhores trabalhos (Moscou, Edifício Master…). Mas este já é outro filme, que nos obrigaria a entrar num terreno subjetivo pantanoso em que a crítica sempre parece um tanto impotente —o que dizer deste cinema que opera justamente através do desmantelamento dos códigos da sociologia e do cinema para se concentrar na encarnação de uma pureza? De um filme que, mesmo tocando em todas as pautas genéricas sobre a adolescência (vestibular, bullying, crises, abuso sexual), consiga subjugá-las à experiência pessoal e subjetiva de cada um dos entrevistados? Desta ambição, verbalizada pelo próprio Coutinho numa das entrevistas logo no início, de fazer um filme não “sobre adolescentes”, mas “sobre pessoas”?

 Mission accomplie, monsieur.

 Calac Nogueira

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Últimas Conversas – Por Sérgio Alpendre

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