Ano VII

A Professora do Jardim de Infância

terça-feira out 21, 2014

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A Professora do Jardim de Infância (Haganenet, 2014), de Nadav Lapid

Desde o primeiro plano de A Professora do Jardim de Infância, o estranhamento se impõe. Nele, um homem, sentado em um sofá em frente à televisão, chama sua mulher. A câmera, parada e posicionada em um ângulo quase aleatório – como se estivesse desajeitadamente colocada em uma estante –, é chacoalhada quando o marido se vira, o que acaba por transformá-la em um objeto de cena. Na próxima sequência, a sensação continuará: já na pequena escola em que boa parte do enredo se dará, alunos passam cumprimentando Nira (Sarit Larry) e, ao o fazerem, não hesitam em aproximar-se da câmera e, por vezes, até mesmo encará-la. Qual seria a intenção de Nadav Lapid com tal procedimento? Imprimir um tom documental à sua ficção, uma história que conseguirá evitar quaisquer categorias? Ao acompanharmos o restante de seu segundo longa-metragem – que sustentará este rigor por toda sua duração – estas dificilmente serão as questões que mais perturbarão o espectador.

Além da professora, responsável pela guarda dos alunos em seu jardim de infância e entusiasta de poesia, temos uma criança de cinco anos, cujo vazio expressivo é tornado sinistro quando, andando de um lado a outro, proclama versos para sua babá anotar. Ao escutá-los, Nira se surpreende pela eloquência daquela inocente voz dizendo coisas nada condizentes com sua pouca idade (acompanhamos esta cena em um flashback abrupto, pouco esperado). Mais do que isso, ela torna-se fascinada pelo menino e, para compreendê-lo melhor, aproxima-se da moça que é responsável por ele no período entre a escola e o retorno de seu pai, um bem-sucedido e arrogante empresário, dono de um restaurante sofisticado. Como a babá (que assumi declamar as divagações do menino como se fossem suas), Nira usará o lirismo de outro a seu favor, numa roda de discussão e criação poéticas, afirmando ser ela a responsável pelas rimas que tanto lhes assombram. Aqui, a fascinação prévia já revela-se obsessiva, e logo ela manipulará as pessoas a seu redor para ficar mais próxima a seu aprendiz e, como falávamos em questões, o quão próximo ela deseja ficar dele é algo que imediatamente passa a nos inquietar: Há alguma repressão ou perversão sexual envolvida? O pequeno, cuja mãe o abandonou, vê na mulher uma bem-vinda figura materna? Ou então estaria ela tão-somente interessada em se utilizar da hipotética genialidade artística do garoto?

A esta última conjectura, abre-se um dos mais interessantes pontos (talvez) insinuados por Lapid: a estima que sua personagem principal tem pelo presumido talento precoce de seu pupilo não é compartilhada por outros em cena, e nós mesmos nos indagamos sobre sua real capacidade artística. Desta forma, somos levados ao fato de que, ao cuidadosamente realizar um filme no qual nos pegamos constantemente buscando ver para além do que é mostrado – ou seja, enxergar além dos enigmáticos olhos azuis de Nira ou do vagar anestesiado do menino–, a intenção do cineasta não seria aquela de nos colocar, como sua personagem, sempre intrigados e, por fim, condenados? E isto, por algo que não temos ideia do que é, de sua natureza ou significado. A única certeza, portanto, é a maneira que algo ali desconcerta, fazendo-nos, sobretudo, sentir; seja medo, angustia, amor, paixão, desejo. Tudo isso está em A Professora do Jardim de Infância: na chuva pela qual Nira se deixa molhar no pátio do colégio; no mar que envolve o menino, deixado a sós por aterrorizantes segundos; nas palavras ditas a esmo por uma criança, que podem carregar consigo alguma verdade interdita, algum arrebatamento extraordinário.

Bruno Cursini

 

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