Ano VII

Força Maior

sexta-feira out 17, 2014

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Força Maior (Force Majeure, 2014), de Ruben Östlund

Em Força Maior, de Ruben Östlund, uma família está de férias numa estação de esqui nos alpes franceses. Tudo está bem, aparentemente, e tudo continua aparentemente na mesma após uma avalanche controlada, mas ainda assim assustadora.

Mas as aparências enganam, como já nos mostrou o cinema de Hitchcock, De Palma e alguns outros, e o que parecia uma relação sólida revela-se aos poucos uma relação manchada pela desconfiança e pelo egoísmo. Tais manchas são difíceis de limpar. Acompanhamos, então, a tentativa, mais interna do que outra coisa, da mãe e do pai de lidar com esses novos elementos que se impõem entre eles.

A avalanche começa. O pai procura tranquilizar a esposa e seus dois filhos pequenos, um menino e uma menina, dizendo “eles sabem o que fazem”, “está tudo controlado”. Quando a avalanche parece não mais controlada, instala-se o pânico, e todos saem correndo dali. Todos, menos a mãe, que num gesto instintivo segura suas crias, protegendo-as debaixo de uma mesa. O pai chega a empurrar um homem que estava mais lento à sua frente, e nem olha para trás. Ele sabe que errou, mas tenta segurar as aparências.

Por um lado, o filme fala do fortalecimento de laços familiares. A partir desse incidente besta, o pai deixa de merecer a confiança da esposa e dos filhos, pois estes sabem que, na hora h, se depender dele, é cada um por si. Por outro, estamos entre o instintivo e o calculado,  o enfrentamento e a tolerância, a aparência e a essência. Tudo está ruindo, mas o controle aprisiona os sentimentos até que a energia represada tenha de se soltar. Daí as comparações, mais ou menos justas, com o cinema de Michael Haneke, de quem Östlund herda ao menos a encenação calculada e rigorosa.

De início, ambos deixam de lado o incidente, acreditando que o tempo o coloque em seu devido lugar. Mas não é isso que acontece. A cada hora a atitude do pai se revela mais grave aos olhos da mãe, e a vergonha de ambos funciona como catalizadora de uma crise terrível na relação. Crise que termina numa catarse, com todos chorando e abraçados.

Deveria terminar aí, na incerteza, porque mesmo o choro não é capaz de apagar mágoas profundas. Mas Östlund comete a bobagem de colocar um epílogo em que a situação se inverte, e a mãe, com medo de que o ônibus em que viajam caia de um precipício, pede desesperadamente para que o motorista abra a porta e deixe-a descer. O diretor parece acreditar que no desespero todos são iguais, e que os instintos maternos revelados em um acidente têm prazo de validade curto demais. Uma relativização que torna as coisas mais fáceis e simplórias. Faltou coragem para fazer uma real investigação sobre a culpa e a vergonha.

Sérgio Alpendre

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