Dia 3 – Esse afeto que nos consome (Pingo D’água)

Dia 3 – Esse afeto que nos consome (Pingo D'água)

por Heitor Augusto

Da Trilogia Cinza do cineasta Taciano Valério, Ferrolho, que competiu na Mostra de Tiradentes ano passado, continua sendo o filme mais interessante, ainda que, assim como os outros dois, tenha um conjunto frágil. Ali havia um desejo de agressividade, uma disposição em dar vazão ao mal estar, a provocar o outro a partir da figura do invasor que defecava nas casas. Verborrágico, autoenunciativo e nem tão rebelde assim (se pensarmos como a figura do bandido já atravessou o cinema brasileiro, o de Ferrolho é até bastante comportado): sim, mas interessava ali o espírito de reação.

Em Pingo D'Água, aquela agressividade dilui-se para uma crença no afeto como guarda-chuva para proteger-se do mundo. O mal estar continua (a morte/suicídio, o grito, o corpo imóvel na cadeira de rodas, o corpo que se esconde na mala de viagem ou atravessa a prateleira, o medo). A resposta? Estar juntos, apertar a mão à espera, compartilhar uma canção, tocar-se, deslocar-se e reiventar-se. 

Estamos no campo do dispositivo e do afeto. Mas já não esgotamos as possibilidades de um cinema de dispositivo cujo principal interesse é reforçar o encontro de amigos como elemento de resistência e autotransformação? Em Os Montros (2011) e Jardim Atlântico (2012) esse uso do cinema do dispositivo já parecia ter chegado ao limite de suas possibilidades. A experiência de Pingo D'Água passa por essa sensação de reiteração e esgotamento: não para quem o fez, pois Valério faz um cinema no qual acredita, mas sim em quem assiste.

Afora essa questão do esgotamento que atravessa a recepção ao filme, a estrutura do filme é frágil. Muito, me parece, por condições de produção aquém das desejáveis (mostrar constantemente que ali se faz um filme, somado a um dos diálogos entre os atores sobre cachê e falta de pagamento, indica que questões da vida, da produção, tornaram-se material para o próprio filme).

Sabe-se que Valério faz cinema no interior de Pernambuco, não na idolatrada Recife, e com orçamentos curtíssimos. Pingo D'Água tenta pegar um elemento de fraqueza, de ausência, e transformá-lo em força, em matéria. Isso, porém, não ameniza a sensação de que ali falta algo, falto material para montar um longa, pois há um desequilíbrio muito grande na força entre os planos.

Quando o filme concentra-se em Jean-Claude Bernardet (seja ele, seja os personagens que dele desdobram) e na relação que ele estabelece com outros (uma coisa passivo-agressiva com Valter Bahia e uma liberdade com Everaldo Pontes), o filme ganha seus momentos mais fortes (o amor do casal em trânsito na floresta ou a performance diva de Jean/Jana no final). Falta, porém, essa mesmo interesse na imagem, mais matéria e material para os personagens de Dellani Lima, Melissa Gava e Paulo Phillipe.