Ano VII

As Tartarugas Ninja

quinta-feira ago 14, 2014

As Tartarugas Ninja (Teenage Mutant Ninja Turtles, 2014), de Jonathan Liebesman

O novo filme produzido por Michael Bay não esconde a vontade de se vender como um produto de seu tempo. O fato de haver, em uma sequência de ação, a inserção de um letreiro em neon com os números 2014 é apenas a hipérbole desta ideia, que é reiterada durante toda a duração do longa-metragem. O uso da hipérbole, a obsessão pela hipertrofia, é, aliás, uma das sabidas marcas de Bay, que aqui se manifesta em todas as frentes possíveis. Das vozes dos personagens de Will Arnett e Tohuro Masamune, à composição em CGI das tartarugas e Megan Fox: tudo é anabolizado, exagerado, potencializado. Não basta realizar um longa-metragem que reflita o comportamento adolescente atual, é preciso transbordá-lo com tudo aquilo que faz parte da cultura popular deste século. É preciso inscrever diegeticamente o ano de feitura do filme.

Uma das estratégias utilizadas por Jonathan Liebesman e Bay para transformar as tartarugas em representações da juventude contemporânea, é a de, ostensivamente, inserir na narrativa piadas de internet (voz de Batman, gato tocando teclado) ou fazer referências diretas a fenômenos da cultura de massa dos últimos anos (“não entendi o final de Lost”). Ao adotar este procedimento, os cineastas, involuntariamente, provam que existe enorme homogeneidade no humor, que não apenas supera fronteiras de língua ou país, mas também de sensibilidade. Tartarugas mutantes criadas em um esgoto possuem o mesmo senso de humor que um jovem nova-iorquino (e não há duvidas que meninos e meninas brasileiros rirão do gato ao teclado). Já não é uma questão de afirmar que o humor é universal. E sim de que um tipo de humor é universal e dominante.

 O processo de hipertrofia do inventário de piadas de internet, embora bastante desagradável, consegue o mérito não proposital de expor o ridículo na geração Facebook, de revelar, em uma caricatura grotesca, a decadência da imaginação na sociedade dos “memes”. O desvairado elogio ao lixo promovido por Tartarugas Ninja é tão protuberante que acaba por assumir caráter de deformação, de nódulo, de tumor, ao invés da escultura harmônica, bela e clara, que foi o panteão hollywoodiano dos filmes de ação em outras eras. Michael Bay, inexplicavelmente influente, ajudou a transformou o blockbuster de ação em uma massa disforme, medonha, desequilibrada, pesada.  Tartarugas Ninja, como a máquina compactadora presente nos ferros-velhos americanos, sintetiza essa visão de mundo presente nos outros projetos do diretor: as tartarugas, com seus músculos desproporcionais, suas feições impossíveis – um meio caminho entre um rosto humano e um cágado – de um realismo indecente, seus penduricalhos, seus movimentos que não possuem qualquer traço da graciosidade de um ninja, são criaturas grotescas que vivem no esgoto, a absorver todo o lixo cultural produzido pela sociedade. Gwen Stefani, Lost, memes: lixo radioativo que infesta a cidade e penetra suas entranhas, provocando mutações e criando monstros subterrâneos. A analogia, desta vez voluntária, que o longa-metragem faz entre adolescentes e tartarugas habitantes do subterrâneo, ávidas por se lançaram ao mundo, mas que são controladas por uma figura paterna, temerosa da capacidade das crias em lidar com o mundo real, acaba, também, sendo contaminada. Não é difícil ver nas tartarugas o reflexo de adolescentes trancafiados em seus quartos, tendo o caráter moldado pelo lixo pop que vem das ruas e que, quando saem do cômodo escuro para a luz do dia, vomitam piadas prontas e são incapazes de se relacionar com os sentimentos sem algum tipo de mediação (o emoticom, o cinismo do “só que não”, a proteção da metralhadora giratória de referências pop ao estilo Big Bang Theory: a juventude contemporânea não sabe dizer “eu te amo” sem um “s2” ou sem um “brinks” ao final da frase, da mesma maneira que Bay e Liebesman são incapazes construir uma mera cena em que um irmão diga ao outro que o ama, sem que haja algum tipo de interferência para aliviar o peso do sentimento).

A analogia entre tartarugas mutantes e adolescentes faz parte da essência da obra criada por Kevin Eastman e Peter Laird. Será sempre possível, tanto para o realizador quanto para o crítico, enxerga-la como um sismógrafo de seu tempo, à exemplo de Invasores de Corpos.  A qualidade do resultado estará, provavelmente, ligado à qualidade do lixo industrial. Os níveis de toxicidade nunca estiveram tão altos.

Wellington Sari

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br