Ano VII

O Lobo de Wall Street

terça-feira jan 21, 2014

O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, 2013), de Martin Scorsese

Podemos afirmar que a filmografia de Martin Scorsese desde a década passada se tornou um grande museu de cera da história do cinema. Não basta para ele assumir o manto do grande cineasta americano de seu tempo, Scorsese tem que levar a palavra para o espectador. Nesta problemática guinada que o seu cinema deu a partir de Gangues de Nova York (2002), cabe a ele o papel de guia turístico da história da sétima arte, coisa que já havia se mostrado antes em Cabo do Medo (1991) ou A Época da Inocência (1993). Mas ao se inspirar em grandes momentos e cineastas do passado da sétima arte, Scorsese acaba não só esvaziando o seu verdadeiro cinema, mas também deixando escapar o significado real dos fantasmas que ele tanto persegue.

Tendo o esforçado Leonardo DiCaprio como parceiro constante dessa fase, com a exceção do fraco A Invenção de Hugo Cabret (2011), Scorsese é um pintor que compõe quadros de técnica admirável, e também mecânica, sem falar dos exageros visuais, que só estão lá porque podem e não porque devem. Como a narrativa inflada e didática de A Ilha do Medo, pois afinal, Scorsese precisa explicar o que se passa ao público leigo que nunca viu um clássico alemão dos anos 20 ou um noir hollywoodiano dos anos 40. Cabe a ele, sendo o professor que tomou para si a tarefa de ensinar cinema. Diferente do que faz Spielberg e alguns outros, que estão contando a história dos EUA. Após rever Visconti, Leone, Walsh e Lang, agora Scorsese tem como tópico ele mesmo.

É bem verdade que em O Lobo de Wall Street, Martin Scorsese e a montadora Thelma Schoonmaker parecem revigorados, saídos de uma espécie de transe em que viviam desde o começo do novo milênio. A história baseada em livro de um ex-corretor de títulos de Wall Street nos anos 90, tenta recriar o mesmo tom frenético de Os Bons Companheiros (1990) e Cassino (1995). Os corretores fraudulentos e gananciosos de agora não ficam nada a dever aos mafiosos e assassinos de antes. DiCaprio deixa de ser apenas um tubo de ensaio em que Scorsese deposita o DNA cinematográfico do século XX, e passa a ser um real personagem. Tudo bem que exagerado, imperfeito, mas é o primeiro sinal de vida independente que o protagonista de um filme de Scorsese apresenta desde Nicolas Cage em Vivendo no Limite (1999). Pela primeira vez nas mãos de Scorsese, DiCaprio deixou de imitar James Cagney ou outra lenda do cinema.

Mesmo que estejamos vendo Scorsese revendo o cinema de Scorsese, em O Lobo de Wall Street – com as suas intensas três horas de duração – há um saudável retorno a um tempo em que o diretor se preocupava mais em contar uma história do que recontar uma história que ele viu no cinema. Como um boxeador que volta furioso ao ringue depois de algum tempo fora dele, Martin Scorsese faz de tudo para mostrar que ainda é o mesmo. Conseguiu bater até o recorde de mais palavrões em um único filme. Difícil saber qual será o prazo de validade do Viagra que tomou. Espero que não resulte em paralisia física e cerebral como acontece com o personagem de DiCaprio, ao se entupir de drogas pesadas numa das melhores sequências do filme.

Leandro Cesar Caraça

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