Ano VII

V Festival de Paulínia – A Retomada

quarta-feira dez 18, 2013

Breves impressões sobre V Festival de Paulínia – a retomada

O Festival de Paulínia anunciou que vai retomar as atividades a partir de 2014. Como aperitivo, fizeram um mini-festival agora em dezembro para apresentar alguns dos últimos filmes produzidos no pólo cinematográfico e homenagear os vencedores das edições passadas. Como vim só na primeira edição do evento, resolvi dar um pulo lá para verificar como o festival seria retomado, relembrar a belíssima projeção do teatro e sua opulência meio caricatural.

Foram dois os filmes vistos. O primeiro, Entre Vales, de Philippe Barcinski, impôs um clima denso, já avisado pelo diretor quando apresentou o filme. O segundo, O Lobo Atrás da Porta, de Fernando Coimbra, é a estreia em longa de um premiado curta-metragista (ele dirigiu Trópico das Cabras). São filmes para serem vistos por adultos, portanto. Pessoas com crianças se retiraram da sala tão logo as primeiras cenas fortes surgiram na tela, principalmente no filme de Coimbra. O que me lembra que, de acordo com o que eu mesmo testemunhei algumas vezes, violência normalmente pode ser vista por crianças, sexo, não. Vai entender.

De todo modo, a experiência Paulínia, apesar do esbanjamento de dinheiro, pode se tornar verdadeiramente positiva, caso o cinema seja a prioridade. Se vencer a badalação, a experiência será negativa.

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Entre Vales é o segundo longa-metragem de Philippe Barcinski. Confesso que não gosto de nenhum de seus curtas, mas gosto do incompreendido Não Por Acaso, que como este novo fala da relação entre pai e filhos. Em Entre Vales, Ângelo Antonio é um profissional bem sucedido que sofre três baques, mais ou menos ao mesmo tempo, pelo que dá para entender das idas e vindas temporais do filme. Ele entra em processo de separação de sua esposa ao mesmo tempo em que a empresa do qual é sócio minoritário está sendo vendida para um grupo espanhol, contrariando o espírito dos fundadores e entrando na era da máquina de fazer dinheiro. O responsável pela venda é um homem de terno e gravata, e não é possível confiar em alguém, neste século mais informal, que usa terno e gravata sem necessidade. A tragédia se impõe nesse cenário já tenebroso: o filho pré-adolescente sofre um acidente a morre. É para pirar qualquer um, e não é à toa que esse pai começa a errar pelas ruas, morando ao relento, catando lixo e se envolvendo com sem-tetos. Curiosamente, a interpretação de Angelo Antonio é muito mais convincente nesses momentos de perdição do que quando ele ainda é burguês, pai, morador de uma bela casa. Por que isso acontece? Será um comentário à Buñuel sobre a paralisação da burguesia? Ficou meio vago, excessivamente titubeante. Ao final, ele parece encontrar um novo porto seguro. A água que cai do chuveiro o purifica e renova suas forças para uma nova jornada, um outro renascimento. Um renascer, renascer sempre, evocando o personagem de Walmor Chagas em São Paulo S.A., filme com o qual Entre Vales tem certa sintonia.

O Lobo Atrás da Porta apresenta a relação puramente carnal entre um homem casado, Bernardo (Milhem Cortaz no papel de sempre) e uma moça de periferia, Rosa (Leandra Leal, com uma atuação que a destaca do filme). A esposa de Bernardo, Silvia (Fabíula Nascimento) é a maior vítima. Uma inocente que se aproxima do lobo e permite sua vingança. O melhor personagem, ou pelo menos aquele que tem as melhores falas, é o delegado interpretado por Juliano Cazarré. Paradoxalmente, o núcleo dramático ao qual pertence não existiria caso o filme fosse narrado de maneira linear. E penso que, fosse assim, os acontecimentos teriam mais força por causa da progressiva tensão que iríamos sentir. Do jeito que é, com uma montagem que reserva os picos de tensão para o começo e o fim, cria-se uma enorme barriga, um quebra-cabeças meio sem graça no miolo que tem a obrigação de nos contar o que afinal deve ter acontecido à pequena menina desaparecida no início do filme. Ou seja, mais uma vez (e não é raro isso acontecer) o enorme desejo de ser moderno por meio de uma alinearidade questionável, que trunca a narrativa desnecessariamente, faz com que o filme seja frouxo, desritmado e nada moderno, pois esses truques narrativos já estão mais do que sucateados. É uma pena, porque pune uma atriz – Leandra Leal – que, após alguns filmes em que ela se repete irritantemente (O Rio Nos Pertence, O Uivo da Gaita, dois trabalhos que parecem clamar por uma interpretação mais aguerrida, com menor meiguice), atinge talvez o melhor momento de sua carreira.

Sérgio Alpendre

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