Ano VII

Os Miseráveis

segunda-feira abr 1, 2013

Os Miseráveis (Les Misérables, 2012), de Tom Hooper

Desde o ano 2000 que não nos era oferecida uma nova versão filmada do épico de Victor Hugo, mostrando a caçada que o inspetor Javert promove a Jean Valjean. A última vez foi em uma minissérie para TV, com Gerard Depardieu e John Malkovich. Antes disso, Billie August em 1998, teve Liam Neeson e Geofrey Rush como protagonistas, sendo que três anos mais cedo, foi a vez de Claude Lelouch dirigir Jean-Paul Belmondo numa versão moderna (ambientada no século XX) para os infortúnios de Jean Valjean. Posto isso, deveríamos estar cheios de Os Miseráveis. Todavia, o interesse foi trazido de volta com as novas peças da Broadway a partir de 2006, e agora temos que aguentar essa cantoria incessante do filme de Tom Hooper.

Premiado com o Oscar de melhor direção por O Discurso do Rei de 2010, (que ganhou outros três prêmios da Academia), Tom Hooper fez em seguida o que de mais provável poderia acontecer com uma pessoa nessa posição. Ele surtou, saiu da casinha, jogou o pragmatismo britânico às favas e cometeu uma das produções cinematográficas mais constrangedoras do século. Desde o igualmente desesperador Moulin Rouge- Amor em Vermelho (Baz Luhrmann, 2001) que não somos submetidos a uma tortura musical tamanha. E bem possível, assim como a câmara de horrores de Luhrmann, Os Miseráveis deve se tornar parâmetro para uma nova geração de cinéfilos e também para os que não sabem dizer quando um filme peca pelo excesso em praticamente todos os quesitos. Da cenografia aos figurinos, passando pelos diálogos cantados/gritados, nada se salva, e pior de tudo, não há no comando ninguém capaz de transformar a balbúrdia em algo aproveitável. Em certo ponto, temos a nítida impressão de que Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen, com suas roupas estapafúrdias, acabaram de sair das filmagens de Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (Tim Burton, 2007). Nem mesmo Ken Russel, senhor de todos os excessos na década de 1970, teria tido coragem de transformar a obra de Victor Hugo nessa mixórdia indigesta.

Não satisfeito em colocar os atores para cantar, fazendo com que calafrios subissem pelas espinhas a cada momento em que Russel Crowe abra a boca, Tom Hooper ainda rebaixou a trama para um arremedo de folhetim, subtraindo as nuances de cada personagem. O Javert de Crowe, por exemplo, se tornou apenas um imbecil obstinado, incapaz de enxergar nada além do manual de regras da polícia. Tudo bem que o ator não está no mesmo nível dos antigos intérpretes de Javert, como Michel Bouquet ou Charles Laughton, mas o roteiro e os diálogos simplórios não fazem nenhuma questão de ajudar. Diferente da versão filmada em 1958 por Jean-Paul Le Chanois com Jean Gabin, tida como a melhor de todas e que gasta mais de três horas e meia contando todas as desventuras de Valjean, Tom Hooper prefere o barulho, a histeria, mostrando que o musical grandioso e super produzido deveria continuar morto. Graças a Broadway, esse monstro voltou a nos assombrar. No filme de Hooper, quando o menino chato é alvejado por tiros, temos a vã esperança de que a cantoria vai terminar. Mas ela não termina. Não até o final, quando Jean Valjean finalmente morre. De desgosto.

Leandro Caraça

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