Ano VII

Crônica de uma lista anunciada

terça-feira dez 18, 2012

Crônica de uma lista anunciada

No presente dossiê da Interlúdio (o quarto em 1 ano de revista) estão contempladas as preferências de 51 profissionais da área teórica do cinema entre os filmes realizados de 1992 a 2012. Críticos, jornalistas e professores aceitaram (em sua maioria) o convite de nossa editoria para elaborar, cada um, uma lista de seus dez preferidos. A partir das listas individuais chegamos à lista geral, com 20 títulos que representam o que mais chamou a atenção na produção do período.

O esquema de pontuação obedeceu à seguinte regra: primeiro lugar ganhou 30 pontos, segundo, 28, terceiro, 26, e daí em diante. Dessa maneira, citações são valorizadas, e um filme bem citado, mesmo que sempre em posições baixas, teve mais chances de aparecer na lista final. 

Para não dificultar tanto nosso trabalho, preferimos não convidar aqueles que já tinham realizado ao menos um longa-metragem, mesmo que tenham trabalhado ou ainda trabalhem com teoria cinematográfica.

Nossa lista tem um pouco de tudo: documentário afetuoso sobre um falecido próximo (Santiago), exercício de observação num presídio (O Prisioneiro da Grade de Ferro), transgressão e invenção com referências sessentistas e muito afeto (Alma Corsária), vibração domesticada (Madame Satã, Baile Perfumado), cinema literário (Lavoura Arcaica), violência paulistana (O Invasor, Um Céu de Estrelas) e filmes que desafiam explicações e classificações (Serras da Desordem, Cleopatra, Signo do Caos, Filme de Amor).

Sintomático notar a presença de diretores veteranos (alguns já falecidos). Dez dos vinte filmes foram dirigidos por diretores que iniciaram nos anos 1960. Compareceram com dois filmes cada: Carlos Reichenbach (5 filmes votados), Rogério Sganzerla, Eduardo Coutinho (7 filmes votados) e Júlio Bressane (7 filmes votados). No caso de Reichenbach, Bressane e Sganzerla, foram citados todos os longas que eles fizeram no período. Andrea Tonacci e Paulo Cesar Saraceni completam a lista com um filme cada. Todos os filmes desses diretores estão entre os 15 primeiros, e sete deles, entre os dez primeiros. Ou seja, setenta por cento dos dez primeiros colocados são filmes de diretores que iniciaram há mais de 40 anos. E somente veteranos tiveram dois filmes representados (o  jovem Beto Brant chegou bem perto de ter dois, e até três filmes na lista, e por isso mereceu um texto sobre sua carreira).

Não há filmes de 2008 em diante na lista geral. Entende-se o processo. Filmes recentes demoram mais para serem digeridos, comparados, ranqueados. Só depois desses caminhos entrariam em listas o suficiente para conquistar alguma posição na lista final. O que não impede a suposição de que, caso tivessemos pedido as listas em novembro, O Som ao Redor, o celebrado longa ficcional de estreia de Kleber Mendonça Filho, tivesse entrado na lista de muitos dos votantes. Acompanhamos sua aclamação crítica nos grandes festivais brasileiros, certamente seria um filme muito lembrado pelos convidados.

O atraso entre o prazo final para envio das listas (meio do ano) e a publicação (fim do ano), por sinal, deve ser ressaltado e justificado. Claro que não foi intencional. Porém, a Interlúdio é uma revista feita sem incentivo, pelo exercício da crítica e amor ao cinema, com os editores e redatores aproveitando brechas em suas vidas profissionais para enchê-la de textos; logo, está sujeita a intempéries das mais diversas. A mais frequente é a impossibilidade de seus editores deixarem seus trabalhos profissionais para se dedicar exclusivamente a ela. Soma-se a isso o acontecimento de dois grandes festivais em outubro (Mostra SP e Festival do Rio), e um mês recheado de afazeres acumulados por causa da concentração nos dois eventos (o que pode ser conferido aqui) e temos o atraso inevitável que fez com que esta lista não fosse publicada em setembro, como esperávamos, mas em dezembro.

Mesmo assim, creio que um sintoma da lista não teria mudado: a pequena presença de filmes realizados na década de 1990. Apenas cinco filmes entre os vinte foram lançados nessa que é considerada uma das décadas mais difíceis para o cinema brasileiro. Caso entrasse O Som ao Redor,  cairia Um Céu de Estrelas, o vigésimo colocado, sem alterar o número de filmes de veteranos presentes, mas reduzindo para quatro os filmes da década de 1990. E teríamos um filme novíssimo, de 2012 (com estreia programada para janeiro de 2013) e não seria mais 2007 o último ano a ter filmes representados na lista. Tal ano foi, por sinal, o mais representado, com quatro filmes escolhidos (Falsa Loura, Jogo de Cena, Cleopatra e Santiago), ao lado de 2002, que consagrou outros quatro (Cidade de Deus, O Invasor, Madame Satã e Edifício Master).

De minha parte, posso dizer que estou satisfeito com o resultado final. Claro que a lista geral tem filmes de que não gosto (Cidade de Deus, Santiago, Lavoura Arcaica e Um Céu de Estrelas), e não tenha contemplado o melhor filme do diretor que mais brilhou no período: Mandarim, de Júlio Bressane. Mas é uma lista representativa do que foi o cinema brasileiro no período. Nela, pode-se vislumbrar as dificuldades encontradas no sistema de produção atual, as necessidades de expressão dos diretores e a ausência quase completa dos diversos blockbusters feitos no período (somente Cidade de Deus furou o bloqueio).

Sérgio Alpendre

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