Ano VII

Santiago

segunda-feira dez 17, 2012

  

Santiago (2007), de João Moreira Salles

DOCUMENTÁRIO VISCONTIANO

Historicamente, uma das maiores lacunas do cinema brasileiro está relacionada a uma inabalável resistência em representar suas elites. Tendência pouco saudável, revertida de forma brilhante com o lançamento de Santiago (2007), de João Moreira Salles. Sob o pretexto de realizar um documentário sobre o mordomo que serviu à sua aristocrática família durante três décadas, Salles produziu uma radiografia sem precedentes sobre a elite nacional, a partir dos depoimentos de um observador privilegiado.

Outro aspecto fascinante do filme diz respeito à sua capacidade de desnudar os mecanismos de criação que estão por trás do trabalho documental. Ao mostrar o embate do diretor com as imagens brutas que ele havia produzido em 1992 e posteriormente abandonado devido à sua insatisfação com o resultado obtido, Santiago revela-se um registro precioso sobre os processos da criação artística.

Obra de sabor viscontiano, que lança um olhar ao mesmo tempo crítico, terno e, sobretudo, melancólico sobre um mundo em extinção, Santiago não se furta a incluir até mesmo sequências que denunciam a postura arrogante de Salles em relação a seu personagem – apesar da passagem do tempo, a diferença de classes não foi superada e o que o espectador testemunha é a impossibilidade de rompimento da espessa barreira existente entre patrões e empregados.

A recepção positiva a Santiago terminaria conduzindo a carreira de seu diretor a um impasse. Em diferentes ocasiões, João Moreira Salles afirmou que, a partir de então, só teria interesse em assinar filmes tão pessoais que apenas ele pudesse realizar. Se este é um fato a lamentar, diante do silêncio do diretor nos últimos cinco anos (Salles chegou a anunciar um projeto sobre os filmes de viagem feitos por sua mãe, até o momento inédito), pelo menos Santiago parece ter aberto as portas para os bem nascidos filhos da elite pernambucana trilharem um caminho semelhante. Atualmente produzindo o cinema mais relevante do País, nomes como Marcelo Pedroso (Pacific), Gabriel Mascaro (Um Lugar ao Sol, Doméstica), Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor), Daniel Aragão (Boa Sorte, Meu Amor) e Marcelo Lordello (Vigias, Eles Voltam) também vêm se dedicando a retratar o funcionamento das classes abastadas e suas com frequência pouco éticas posturas diante dos menos privilegiados. 

Marcus Mello

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