Ano VII

Parte 13: O que sobrou da 36ª Mostra

quinta-feira nov 8, 2012

Parte 13: O que sobrou da 36ª Mostra

Este texto não é um diagnóstico sobre o cinema contemporâneo. Para fazer isso eu teria de acompanhar todos os festivais internacionais e alguns filmes que não entram em suas seleções. Mesmo assim, seria paradoxal. Como fazer um diagnóstico do cinema contemporâneo, antes que ele deixe de ser contemporâneo?

Este texto é um pequeno balanço, seguindo o espírito do diário, parcial e pessoal, de minha experiência na 36ª Mostra SP. A intenção aqui não é rebaixar o evento, que é, sim, o mais importante e gostoso de acompanhar (ainda) entre todos os festivais realizados no Brasil. É apontar principalmente os pontos falhos, que podem fazer com que a Mostra perca a cada ano uma parte de sua graça.

Desde o ano em que houve retrospectiva quase completa de Manoel de Oliveira, certamente esta edição foi a melhor em retrospectivas. Tarkovski é do primeiríssimo time, e Shibuya é um diretor injustamente esquecido. Tem ainda o Loznitsa, cujos documentários são bem elogiados mesmo por quem despreza seus dois longas de ficção (quase o meu caso, já que vi o primeiro, o sofrível Minha Felicidade). O ano passado teria sido melhor, caso não tivessem escondido as cópias em película do Paradjanov e tivessem exibido Alexei German em cópias minimamente decentes. Falhas desse tipo não aconteceram neste ano, felizmente.

Passando então para as projeções digitais, notou-se uma maior preocupação da Mostra com a qualidade do que estava sendo exibido, o que é primordial, e não aconteceu no Indie, nem no Festival do Rio (os principais concorrentes da Mostra). Pouquíssimas sessões foram relatadas como pífias nesse quesito, e a maior parte das reclamações vieram por causa de eventuais despreparos dos projecionistas (zooms que transformam filmes 1.85 em 2.35 cortado, ajustes de cores mal feitos (o que foi raro nesta edição), ou o travamento da maldita chave que libera os DCPs (algo que parece feito para dar esse tipo de problema). Ou seja, foram inconvenientes que um evento desse porte está sujeito a enfrentar, pelo menos enquanto durar esta fase de transição para o digital.

A programação, que inicialmente me parecera superior a de anos recentes, no final se revelou um pouco fraca, com poucos filmes realmente grandes. Teria sido melhor se a organização repensasse essa ideia da exclusividade e trouxesse pelo menos alguns dos filmes que passaram no Festival do Rio, evento com mais filmes e menos charme que a Mostra. Por lá passaram Post Tenebras Lux (Reygadas), Foxfire (Cantet), Diário da França (Depardon), Twixt (Coppola) e mais alguns poucos que engrandeceriam, certamente, a programação desta 36ª Mostra.

Entende-se o problema do ineditismo. A Mostra precisa de patrocínio para existir, e infelizmente a bobagem que é a noção de estreia nacional (ou regional), amplificada pela mídia, obriga que se tenha cuidado nesse sentido, e como o Festival do Rio se aproximou da Mostra, numa operação realmente antipática de seus organizadores, a Mostra deve tomar alguns cuidados para não perder ainda mais espaço na mídia e, com isso, correr o risco de enfraquecer o rol de patrocinadores.

Haveria uma outra alternativa, mantendo a regra do ineditismo: mover mundos e fundos para trazer a maior parte dos diversos filmes de interesse que, inexplicavelmente, ficaram de fora das duas seleções. Essa exigência de ineditismo só teria sido positiva caso a Mostra tivesse conseguido trazer filmes como Passion (De Palma), In Another Country (Hong Sang-Soo), La Fille de Nulle Part (Brisseau) e Vous n'Avez Rien Encore Vu (Resnais), para ficar apenas nos óbvios. Existem outros filmes que, estranhamente, ficaram ausentes dos dois festivais, apesar de terem despertado interesse em festivais internacionais. Por que não ir atrás deles?

Indo aos filmes recentes que pude ver nesta edição, devo dizer que O Gebo e a Sombra ganhou com sobra. O segundo colocado, Tabu, apesar de ser impressionante e confirmar Miguel Gomes como um grande diretor, está bem abaixo. Teve algumas surpresas entre os filmes brasileiros, que não vou comentar aqui (voltarei a eles eventualmente, em coberturas de futuros festivais), e alguns filmes internacionais acima da média: Além das Montanhas, Abendland, A Bela Que Dorme, Outrage: Beyond. Hal Hartley, de quem já não esperava mais nada, me surpreendeu com seu Por Enquanto, que não passa de um divertimento, mas bem interessante. E Belvaux decepcionou com 38 Testemunhas, depois do ótimo O Sequestro de um Herói. Não vi Um Alguém Apaixonado (que estreia logo mais), nem o novo Wakamatsu, ou Après Mai. O primeiro é unanimidade positiva, o segundo, negativa, e o terceiro dividiu opiniões.

No lado oposto, o das coisas lamentáveis que vemos pelo caminho, digo que não aguentei nem 10 minutos de A Culpa do Cordeiro, o analfabetismo visual em forma de filme, e Keyhole, o inventário de afetações de Guy Maddin, cada vez mais se superando como um Greenaway de segunda (como não me entusiasmo com o cinema do Greenaway, salvo poucas exceções ainda não revistas, imaginem o que achei desse novo rebento do Maddin).

Para terminar, fica um lamento para mais uma repescagem relativamente fraca, sem nenhum filme das retrospectivas, e apenas um clássico, Lawrence da Arábia.

Nossa cobertura se encerra por aqui. Que venha a 37ª Mostra de São Paulo.

Sérgio Alpendre

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