Ano VII

Outrage: Beyond

domingo nov 4, 2012

Outrage: Beyond (Autoreiji: Biyondo, 2012), de Takeshi Kitano

"Mas nem é isso que distingue o filme. É a sua energia autofágica. Mais um bocadinho e não haveria ninguém para filmar Outrage."

O trecho do texto de Vasco Câmara reproduzido acima ecoa na cabeça do espectador que o leu a respeito de Outrage, a anunciada volta de Takeshi Kitano ao mundo da Yakuza, enquanto a continuação, Outrage: Beyond, ilumina a tela.

Mais uma vez, todo mundo mata todo mundo no filme, e logo cedo já não nos interessa tanto saber quem morreu e quem vai morrer. Tudo é possível, e quem estiver de sapatos não sobra.

O humor inusitado de Kitano mais uma vez se faz presente. Poderíamos dizer que até domina esta segunda parte. Os assassinatos são tão corriqueiros que qualquer pessoa que dá as costas para outra parece sentenciada à morte. 

Já era um pouco assim desde o espetacular Violent Cop, seu primeiro filme. Kitano não é um entusiasta da violência como se promulga em alguns lugares. É, pelo contrário, um crítico da sociedade japonesa e dos métodos violentos de sua face mais nociva, a dos engravatados do crime organizado.

Em Outrage: Beyond ele amplifica as coisas, e mostra que, lá como cá, o crime organizado domina muito mais setores da sociedade do que se imagina. Está tudo podre porque, afinal, é o dinheiro que manda. E se o dinheiro manda matar, mata-se, com ou sem cerimônia. Mesmo que se mate aos poucos, como aqui (desvio de verba pública, com uma burocracia nefasta criada para dificultar a descoberta do desvio, especulação imobiliária, juros altos, etc.). O poder do dinheiro é mortífero, afirma Kitano com estilo.

Esse díptico sobre a Yakuza é um alento na carreira de um dos mais talentosos cineastas contemporâneos. Depois de ter levado a máfia para Los Angeles no excelente Brother, de ter se aventurado muito bem na fórmula contemporânea do filme de arte em Dolls, e percorrido caminhos seguros com o delicioso Zatoichi, Kitano entrou na espiral descendente da trilogia de crise que começa com o estimulante Takeshi's e prossegue com os irregulares Glória ao Cineasta e Aquiles e a Tartaruga.

Não que a crise tenha passado. Mas Kitano fez o certo: quando uma crise resiste, melhor andar em terreno seguro, tentando variações dentro das fórmulas que ele mesmo ajudou a resgatar e reconstruir para os anos 90. Não se pode dizer que ele não tenha feito exatamente isso e muito bem.

Em Outrage: Beyond, como no primeiro Outrage e na obra-prima de Alan Clarke, Elefante, somos convidados a contemplar os corpos abatidos, os resultados de tanta violência. E a câmera se movimenta o tempo todo, na maioria das vezes muito lentamente, num constante reenquadramento para se adequar ao fluxo de traições e armadilhas que banham o enredo e levam a um final inesperadamente catártico. Kitano ainda tem fôlego.

Sérgio Alpendre

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