Ano VII

38 Testemunhas

terça-feira out 30, 2012

38 Testemunhas (38 Témoins, 2012), de Lucas Belvaux

Há um problema na premissa de 38 Testemunhas porque, tão logo percebemos qual é o dilema que irá perturbar seus personagens, ela nos surge cinicamente anacrônica. Este novo trabalho de Lucas Belvaux é baseado no livro de Didier Decoin que, por sua vez, fora inspirado no assassinato da americana Kitty Genovese, em 1964, cuja investigação gerou na psicologia designações como Efeito de Espectador, Responsabilidade Difusa ou, simplesmente, Síndrome Genovese.

Na versão do diretor de O Sequestro de Um Herói, Louise (Sophie Quinton) retorna à cidade normanda de Le Havre, para encontrá-la em comoção: na noite anterior à sua chegada, uma jovem havia sido esfaqueada até a morte e a polícia não consegue obter indicação alguma dos moradores da rua: quem foi o assassino? como, ao menos, se deu o homicídio?

Pierre (Yvan Attal) é o marido de Louise que, após afirmar nada ter visto ou ouvido sobre o ocorrido, não se conforma que todos os moradores ao seu redor fizeram o mesmo e, enfim, decide relatar seu testemunho à polícia, que estava para dar o caso como encerrado.

O ritmo imposto por Belvaux é frio, analítico, fazendo com que seu enredo minimalista fuja das convenções do gênero de filmes de investigação. A seu favor, neste desenvolvimento calmo, que aos poucos formará a teia de covardia e comodismo sobre a qual dorme essa sociedade, está a interpretação contida de Attal, cuja dignidade de seu personagem talvez advenha do fato de sua maior distância desta (ou de qualquer outra) cidade: ele é um ser calado, solitário, um comandante de navio acostumado com o isolamento.

Talvez exista aqui a intenção do cineasta em equiparar nosso atual modo de convívio não àquele dos anos 1960, mas ao do crepúsculo do século 19 e, neste sentido, 38 Testemunhas é um faroeste que poderia ser estrelado por Randolph Scott, em uma de suas variações como o homem que se encontra sozinho em um mundo particular, inserido em uma situação limite, na luta de um contra todos.

Pierre é, pois, um forasteiro lutando por um código de honra já expirado: diferentemente dos filmes dirigidos por Budd Boetticher, por exemplo, a vítima a ser salva por este cavaleiro solitário já se encontra morta. Não há vilões materializados a combater ou resgates de último instante. 

Existe, sim, a busca por alguém;  no caso, pelo culpado, mas este não tem rosto: é a própria pequena comunidade que forma esta localidade, resumida à rua principal, cujo nome não poderia ser mais representativo, expandindo esse caso para além dos limites deste povoado: rue de Paris.

O custo da vingança, visto que não há melhor definição para a investida de Pierre contra seus vizinhos, é aqui o custo da verdade, que irá obrigá-lo a sacrificar seu casamento e permanecer, sob pena de um linchamento tácito, em seu refinado apartamento envidraçado, contemplando o vazio opressor do deserto ao redor. 

Bruno Cursini

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