Ano VII

Antiviral

quarta-feira out 24, 2012

Antiviral (2011), de Brandon Cronenberg

Nos principais filmes de David Cronenberg, ou nos mais estranhos pelo menos, temos o embate entre o absurdo e a realidade como deflagrador de uma tensão muito própria, dosada por um equilíbrio harmonioso entre as deformações do corpo e da mente, e por um sentido do ritmo típico dos grandes diretores. O que parece fácil à primeira vista, revela-se ardoroso na hora de botar a mão na massa. E é por isso que seu filho, Brandon, apesar de se esforçar bastante, não faz de Antiviral um bom filme. Faltou habilidade e, talvez, experiência para costurar a trama dentro da atmosfera de ficção-científica procurada.

Mas há um problema anterior: a assinatura. Se Brandon tem a seu favor o longo histórico de casos em que o talento dos pais não é herdado pelos filhos, o que faz com que haja uma natural redução de expectativas ("vamos ver o que esse pequeno Cronenberg aprontou"), há sempre a assinatura Cronenberg como um fardo a ser ultrapassado. Ao apostar suas primeiras fichas, Brandon, para agravar a situação, escolhe percorrer um caminho já trilhado com louvor pelo pai, tornando essa assinatura ainda mais forte, uma sombra da qual é quase impossível se desvencilhar. Ou seja, ao entrar no universo do pai, Brandon se arrisca às inevitáveis comparações, e aí seu filme se revela manco.

O enredo coloca em cheque os laboratórios (sempre acusados de fabricar vírus para serem curados por seus próprios remédios), mas principalmente ridiculariza o culto à celebridade, que nestes dias atinge patamares preocupantes. Tudo gira em torno do comércio de vírus. Quando um deles se hospeda em uma celebridade, é coletado para ser vendido a consumidores vorazes, os fãs da celebridade infectada. É uma premissa interessante, uma vez que extrapola uma situação que já é real, tornando-a absurda. A assepsia dos cenários contribui para a sensação onipresente desse absurdo, e pertencem a uma linha visual na qual se destacam THX 1138, de George Lucas, Coma, de Michael Crichton, e Cubo, de Vincenzo Natali.

O problema é que em Antiviral, ao contrário de eXistenZ (entre outros de David Cronenberg), em que o absurdo invade o real provocando um choque, temos o absurdo como guia dramatúrgico único, sem uma ligação eficiente com a realidade, e desse absurdo não temos um ensaio sobre o mundo que vivemos tão poderoso como em Cosmópolis, para ficarmos ainda dentro da família, e em outro filme que se arrisca a não fazer essa ligação. Temos, no lugar, o êxodo do império do absurdo para o do thriller, na segunda metade do filme, o que geralmente é o caminho mais fácil. Mas também aí Brandon Cronenberg titubeia. Quando a trama começa a envolver espionagem, traições e perseguições, o filme está à milhas de Videodrome e Scanners, dois filmes em que seu pai faz muito bem a mesma operação da estranheza que invade a realidade e alimenta o thriller. Fica mais próximo, infelizmente, de um Demonlover, um dos filmes mais fracos de Olivier Assayas.

Chegamos, então, a um impasse. Seguindo o mesmo caminho do pai, Brandon acaba pegando também o mesmo atalho comercial, mas não consegue se manter fiel à herança que tanto quer demonstrar.

Sérgio Alpendre

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br