Ano VII

Infância Nua (L´enfance Nue, 1969)

segunda-feira jul 2, 2012

Infância Nua

L´enfance Nue, 1969

Em seus primeiros 10 minutos, Infância Nua determina a natureza do personagem François, tanto por suas ações cruéis quanto pelas palavras de sua mãe adotiva, definidoras de sua perversidade e inadequação. Este início não é apenas do filme e do personagem, mas também o da filmografia em longas de Maurice Pialat, depois de um período de 19 anos dedicados à realização de curtas, antes do qual havia direcionado sua formação aos fundamentos históricos e técnicos da pintura e do teatro. A inadequação existencial, em sentido amplo, foi um estímulo criativo, por assim dizer, em outros filmes do cineasta.

Teatro e pintura na formação. Em Infância Nua, passam à distância. O estilo documental da encenação, aberta aos improvisos dos não atores (atores naturais), com uma liberdade exercida com comedimento pela câmera, estimula o efeito de autenticidade. Que não se pense no padrão contemporâneo, pautado pela ansiedade ou pelo entorpecimento, pela ausência de quadro e por seu excesso, pelo corte neurótico e por seu adormecimento.

A autenticidade de Pialat tem outro batimento cardíaco, nem alto nem baixo, mas o batimento sem ênfase e sem quase sua ausência. Essa força de experiência cênica, embora pareça dar autonomia a momentos isolados, na verdade os coloca em relação, mas, também, os conecta com algo fora deles (o mundo social evidenciado por fragmentos precisos, como o processo de adoção), sem com isso gerar uma representação de sentidos ou sínteses de estruturas.

Embora tenha mais idade que os protagonistas da Nouvelle Vague, Pialat esteve à margem dela, mas, neste primeiro longa-metragem, ela está presente no espírito (dos primeiros Chabrol e Truffaut) e nos créditos (de Truffaut como um dos produtores), assim como em certa atmosfera de novidade, de um contato menos filtrado com a vida na filmagem.

Para não ancorarmos demais o cineasta entre seus pares locais e contemporâneos, mencionemos como antecedente Rossellini (de Alemanha Ano Zero) e Bresson (de Pickpocket e Mouchette principalmente), embora com um olhar menos asfixiante para o protagonista. O cinema direto americano e os dispositivos dramáticos de Jean Rouch também integram referências anteriores disponíveis na genealogia de estilos e olhares.

François. Ele é o fruto podre de olhar duro, mas amolece quando, ao trocar de lar, convive com uma família de velhos, sobretudo com a velha acamada a quem chama de vó. O garoto jamais ganha contornos “psicos”, com motivações localizadas no passado e explicativas de suas ações. É uma superfície existencial e, por isso, marcada pela ambiguidade.

Seu abandono pela mãe natural jamais é usado por ele e pelo filme para um posicionamento de vítima. Para François, como para o olhar de Pialat, a vida é um ringue. A uma luta sucede-se outra, com resultados variados, sem seguro contra lesões e nocautes. Para percepções apressadas, é apenas material de escândalo. Com mais cuidado, percebe-se uma poética que, em sua construção, dispensa rimas encantadoras (e apaziguadoras).

Cléber Eduardo

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