Ano VII

Os Vingadores

quarta-feira mai 23, 2012

Os Vingadores (The Avengers, 2012), de Joss Whedon

Com o sucesso da sua linha de kaiju eiga (filmes de monstros gigantes), a produtora japonesa Toho decidiu reunir várias das suas criaturas, já conhecidas do público, em um único filme no final da década de 1960. Desde a primeira aparição de Godzilla em 1954, outros monstros foram pouco a pouco apresentados: a mariposa Mothra, o dragão alado tricéfalo King Ghidorah, Rodan, Varan, Barugon … Todos esses seres e mais alguns outros apareceram juntos em Destroy All Monsters (Ishiro Honda, 1968), a nona produção da Toho a ter o icônico Godzilla como carro-chefe. Desconheço quando foi que surgiu a idéia dos executivos e roteiristas da empresa de colocar todos esses titãs frente a frente, mas funcionou, garantindo mais uma década de sobrevida ao gênero kaiju eiga e, que até hoje, serve como parâmetro para outras produções semelhantes.

Ainda que existam muitos exemplos dessa prática de reunir personagens de filmes diferentes (Conde Drácula e o monstro de Frankenstein; Django e Sartana; o cego Zatoichi e o Espadachim de um só braço, etc.), Destroy All Monsters é o que melhor serve para comparação com Os Vingadores, de Joss Whedon. Desde o final de Homem de Ferro (Jon Favreau, 2008) ficou claro que o Marvel Studios levaria às telas o seu principal grupo de heróis. Mas, ao contrário do épico kaiju de Honda, que não necessitava do conhecimento prévio de nenhuma aventura anterior, a trama de Os Vingadores está linkada aos filmes que o precederam: o primeiro Homem de Ferro, O Incrível Hulk (Louis Leterrier, 2008), Homem de Ferro 2 (Jon Favreau, 2008), Thor (Kenneth Branagh, 2010) e Capitão América – o Primeiro Vingador (Joe Johnston, 2011).

Como boa parte das sagas rotineiras que a Marvel e sua concorrente DC Comics publicam, a história se desenrola em revistas de diferentes personagens, até se encerrar num grande e apoteótico encontro de vários heróis, nem sempre lutando do mesmo lado. A intenção do Marvel Studios foi levar essa prática para o cinema, embora tenha tido o cuidado de não alienar o público leigo, a ponto de qualquer um conseguir entender perfeitamente o que se passa em Os Vingadores mesmo tendo perdido qualquer uma das outras aventuras. O roteiro de Joss Whedon (a partir de uma história original escrita por Zak Penn, arroz de festa em filmes de super-heróis) consegue contornar a situação e o espectador não é forçado a assistir o péssimo Thor (a pior coisa que Kenneth Branagh cometeu na carreira), que a princípio, seria o filme mais conectado com Os Vingadores.

Foram poucas vezes em que a pirotecnia dos modernos blockbusters americanos justificou sua existência. Esse cinema de orçamento milionário possibilita a criação de ilusões, capazes tanto de preencher fantasias infantis, quanto de esvaziar qualquer possibilidade de uma análise profunda, quando abdica da coerência narrativa e não deseja ser nada mais do que um produto genérico, resultado de uma linha de produção qualquer. Mas esta mesma tecnologia é capaz de criar um mundo irreal que por ele próprio, seria capaz de nos levar a discutir valores que ali se encontram e que numa rápida ou equivocada impressão, passariam despercebidos. Podemos citar George Lucas e James Cameron, que graças ao controle que possuem em suas obras, conseguem um balanço satisfatório entre a tecnologia e a melhor forma de se contar uma boa história.

Se é possível apontar Os Vingadores como o melhor filme de super-heróis já realizado, é porque em momento algum ele tem medo de se assumir como tal. Não força uma aproximação questionável com o mundo real, como Christopher Nolan tenta a todo custo, com seu Batman carrancudo e de voz rouca de um paciente terminal sofrendo de enfisema pulmonar. Também não se mostra desconfortável como material original, posando com uma áura madura e temas de pano de fundo social, como fez Bryan Singer nos dois filmes dos X-Men que dirigiu, e os quais mais se parecem com telefilmes baratos e mal escritos do que com as grandes aventuras que se esperava.  Joss Whedon sabe bem como trabalhar com estes personagens, não esconde o fato de que são antiquados e que muitas vezes não passam de pessoas vestindo trajes berrantes.

John Ford fazia westerns. Uma parte considerável dos seus contemporâneos se limitava a filmar pessoas num saloon, pronunciando frases feitas e trajando um figurino de parque temático. Ao invés da mitologia fordiana e da construção da civilização americana, base para o western, o que se via era um constructo falso, preso a regras pré-determinadas de um cinema de gênero, o mais clássico existente nos EUA, mas sem alguém capaz de utilizar dessas mesmas regras para atingir patamares mais elevados. Mesmo em gêneros menos nobres ou de uma aclamada segunda linha, o realizador precisa compreender seus fundamentos antes de quebrar as regras. Coisa que Nolan e Singer desconhecem, e que Ang Lee conseguiu com muita propriedade no seu Hulk de 2003, tão arriscado quanto firmemente preso aos quadrinhos, que afastou as audiências.

Para Ang Lee, transitar com desenvoltura entre diferentes universos é rotina, seja nos westerns, fantasias de artes marciais ou uma aventura de super-heróis. Joss Whedon, por sua vez, é um criador versado em cultura popular. Graças a seriados como Buffy, a Caça-Vampiros e Firefly, Whedon conquistou uma geração de fãs, alcançando uma popularidade que o colocou ao lado de J.J. Abrams (Lost, Fringe) e J. Michael Straczynski (Babylon 5), como um dos nomes mais importantes ligados à ficção científica na televisão a partir dos anos 90. Mas ao contrário deles, Whedon colecionou mais decepções, como o cancelamento de suas séries e o fracasso comercial de Serenity – A Luta Pelo Amanhã (2005), um spin-off de Firefly, e que se tornou a primeira experiência dele como diretor de longas para o cinema.

Com o sucesso de Os Vingadores, Whedon alcança o ápice de sua carreira como contador de histórias. Sua força sempre esteve ligada aos diálogos e a forma como consegue trabalhar com muitos personagens ao mesmo tempo, sem nunca perder o foco ou deixar a história em segundo plano. Com conhecimento de causa, ele havia escrito a revista Astonishing X-Men, talvez a melhor coisa feita com os mutantes da Marvel desde que Chris Claremont (o principal escritor de Wolverine e cia. em todos os tempos) deu sinais de cansaço. A proeza maior de Whedon foi a de traduzir com perfeição a sensação de ler um gibi da Marvel, sabendo o quanto deve atualizar um personagem para as platéias, sem que perca suas características. É bom cinema de entretenimento, feito para se comer pipoca aos baldes, muito praticado antes, produto raro atualmente.

Leandro Caraça

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