Ano VII

Hanyo

sexta-feira abr 13, 2012

Hanyo, A Empregada (Hanyo, 1960), de Kim Ki-Young

Considerado um dos grandes filmes feitos na Coréia do Sul, Hanyo, A Empregada tem alguns momentos de comédia involuntária, atenuados pela a atmosfera convincente de terror psicológico conseguida pelo diretor Kim Ki-Young. De fato, podemos dizer que tal atmosfera, construída sobretudo por uma mise en scène precisa, impede que o filme beire o patético, com direito a lição de moral no final.

Hanyo foi realizado dentro da chamada segunda Era de Ouro do cinema coreano, entre 1956 e 1969 (a primeira havia sido entre 1926 e 1933), um período que sucedeu a Guerra da Coréia, que por sua vez havia sucedido o longo domínio japonês de quase toda a primeira metade do século (influenciando o cinema do país).

Desde a primeira cena, que mostra um casal comentando um artigo no jornal sobre um homem que trai a esposa com a empregada doméstica, percebemos estar diante de algo incomum. O marido argumenta que é algo natural, pois a empregada é a primeira pessoa que um homem cumprimenta ao chegar em casa, a pessoa mais próxima de seus afazeres imediatos, enfim, a maior companheira do homem. Algo que, obviamente, vai deixar sua esposa deveras irritada. A cena se encerra com duas crianças brincando de ‘cama de gato”, aquele velho jogo de barbantes em que um pega o emaranhado das mãos do outro criando um emaranhado diferente, enquanto vemos os créditos iniciais (o jogo já foi motivo de abertura de novela das oito na Globo).

A alegoria aí é bem clara, com duas ramificações possíveis. Na vida doméstica, o que inclui sentimentos em relação à sua companheira e noções de monogamia e lealdade, há dilemas morais, relativos à natureza do homem e às suas obrigações perante a sociedade, que podem provocar desfechos infelizes, e até trágicos, caso não sejam respeitados (podem levar à felicidade suprema também, mas não é isso que interessa ao filme). Na literatura, no teatro e no cinema temos inúmeros exemplos de como a fraqueza moral (ou uma manca imoralidade) pode causar estragos. Além disso, uma pequena atitude pode provocar um emaranhado de situações que desabam em outras, ainda piores, como mostra muito bem o díptico de Alain Renais, Smoking/No Smoking (1994). Se o professor de piano não tivesse sido tão rigoroso ao levar a carta da aluna apaixonada para a supervisora da fábrica onde dá aulas de música, causando a suspensão e a vergonha da pobre jovem, ele não teria que passar pelas provações e capitulações que vemos no filme. Tais capitulações são tão ridículas que ficamos logo desconfiados de que tudo não passa de um pesadelo.

A câmera de Kim Ki-Young movimenta-se pela casa como um fantasma, captando intimidades e ciúmes por trás de portas de vidro e pingos de chuva. A interpretação dos atores sugere que são todos marionetes, a serviço de uma ideia que só descobriremos ao final, quando se completa o ciclo do absurdo a que o diretor nos submete. Esse final explica o porquê de acompanharmos tanta idiotia dos personagens, mas não redime o filme de ser um arremedo de moralismo constrangedor. Sobra assim sua mise en scène eficaz, mas não o suficiente para encobrir esse desfecho com sabor de óleo de rícino (aquilo que fortalece a moral de uma criança).

Não pude ver muitos filmes coreanos dessa época. A julgar por este Hanyo, e levando em consideração que trata-se de um dos três filmes mais celebrados de um período farto em melodramas primários, posso suspeitar que a Coréia só teve um cinema bom de verdade cerca de vinte anos depois, quando Im Kwon-taek,  um cineasta já quase veterano, começou a fazer grandes filmes.

Hanyo teve uma refilmagem com inúmeras diferenças e muito superior em 2010, assinada por Im Sang-Soo, com a ótima Do-Yeong Jeon no papel principal (que é muito mais atriz e muito mais sensual que a Lee Eun Shim do filme original).

Sérgio Alpendre

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br