Ano VII

2 Coelhos

sexta-feira fev 10, 2012

2 Coelhos (2012), de Afonso Poyart

Muito se tem falado sobre os efeitos visuais de 2 Coelhos, que nada devem aos de grandes blockbusters americanos. E realmente, o filme usa trucagens em cenas de tiroteio, explosões e devaneios dos personagens que realmente impressionam. Mas no fundo, o que chama mesmo a atenção no longa de estreia de Afonso Poyart é o seu estilo de montagem e as técnicas de enquadramento utilizadas em cada frame.

O filme é uma sucessão de procedimentos que parecem usados por alguém que acabou de sair de um curso de edição, louco para botar em prática o que aprendeu nas aulas (e errando na maneira de usar a maior parte deles). Ou por alguém que conhece bem todos eles, mas que simplesmente não se importa em usá-los quando tem vontade. A maior parte desses procedimentos (acelerações, reduções de velocidade, zooms, congelamento de imagens, flashbacks e flash forwards, jump cuts) é empregada com apenas uma finalidade: garantir ritmo ao filme – o que, para um longa de ação, não é de forma alguma condenável. Mas o grande problema de 2 Coelhos é que há um tal acúmulo desses recursos de edição, um atrás do outro, que ao final nenhum deles tem o efeito que poderia ter tido se usado em momentos-chave ou com moderação.

Talvez o exemplo mais evidente sejam os jump cuts: poucas vezes se viu na história do cinema tantos cortes do gênero como em 2 Coelhos. As imagens são a todo instante interrompidas bruscamente, dando espaço à mesma cena, só que alguns segundos mais tarde. Ora, os jump cuts (quando bem empregados) são um dos recursos de montagem que operam de forma mais interessante sobre a cabeça do espectador: quando a cena é interrompida, nosso cérebro, por força do hábito, imagina como ela terminaria, mas ao mesmo tempo se vê forçado a interromper o processo e a acompanhar a nova cena que se passa. O efeito é desestruturante, deixa a platéia em desequilíbrio por frações de segundos – quando um diretor como Lars von Trier, por exemplo, faz uso desse expediente, quer falar algo sobre seus personagens (geralmente sobre sua inquietação ou desordem mental); quer transmitir ao espectador a noção de lapso, de peças faltantes.

Em 2 Coelhos, esses pequenos espaços temporais que seriam preenchidos pela mente do espectador são aniquilados pela pressa como tudo é montado; os cortes surgem como mera medida econômica, para fazer as sequências andarem mais depressa e, com isso, dar noção de dinamismo à ação. Poyart não prioriza o estranhamento; quer é velocidade, e mesmo que os jump cuts também sirvam para isso, essa é a maneira mais pobre que um cineasta tem de usá-los. O mesmo se aplica à maior parte das outras técnicas de montagem. São usados de maneira leviana; sua banalização faz seu potencial se dissipar – o filme é cansativo e um colossal desperdício de técnica.

O estilo de direção de Poyart é derivado dos videoclipes, e tem-se a impressão de que diversas cenas fazem referências ao universo de Quentin Tarantino e Fernando Meirelles (embora quase sempre pareçam se tratar mais exatamente de uma apropriação do estilo de ambos que de citações). É uma pena: Poyart deveria ter investido em um pouco mais de autenticidade, até porque é talentoso para as imagens.  As cenas da imaginação da personagem de Alessandra Negrini, por exemplo, são de grande força e plasticidade (teria sido mais prazeroso se Poyart se dedicasse mais a uma forma de encadeá-las que de procurar o ritmo frenético que tanto queria). Há algo também de expressivo em como o diretor filma o espaço urbano de São Paulo e o relaciona à trama (a cidade e seus lugares reconhecíveis, como testemunhas de tudo o que se passa na trama, tornam-se um personagem mais interessante que qualquer outro em carne e osso). Poyart também parece ter talento para a direção de atores, principalmente Alessandra Negrini, Thaíde e Aldine Müller (é uma pena que esta última tenha tão poucos papeis no cinema atualmente).

2 Coelhos é um filme cheio de limitações, mas é claramente obra de alguém apaixonado pelo projeto. Há um grande entusiasmo, quase juvenil, e uma vontade enorme de fazer uma coisa “diferente” (ao menos no cinema nacional). Mas se essa empolgação é o que mantém grande parte do filme vivo, também é o que mais o atrapalha. Peca pela própria exaltação.

Bruno Ghetti

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