Ano VII

Tomboy

quinta-feira jan 19, 2012


Tomboy (2011), de Céline Sciamma

Em Tomboy, a diretora Céline Sciamma conseguiu, ao menos, dois feitos: escapar da facilidade de encontrar quaisquer razões psicológicas ou sociológicas para tratar (e absolver) a homossexualidade e, ainda mais louvável, não cair na armadilha do choque. Assim, habilmente, evita surgir como apenas mais um filme polêmico, uma vez que seus protagonistas são, quase exclusivamente, crianças e pré-adolescentes.

Durante as férias escolares, Laure (Zoé Héran) muda-se com a família para o subúrbio. Ela é uma garota de 10 anos, incerta com o inevitável florescimento de sua sexualidade. Logo na primeira cena do filme, sentada no colo de seu pai, ela dirige o carro que transporta as caixas de mudança de sua antiga residência, em Paris. De cabelo curto e roupas largas, sua imagem traz consigo a ambigüidade sutil e bela que permeará todo o filme.

Em sua nova vizinhança, é tida, por Lisa – sua futura amiga e possível namorada -, como um menino. Laure opta por não desfazer a confusão, pelo contrário, reforçando-a, dizendo chamar-se Michaël. A partir daí, o que segue é uma apreensão na qual a questão gira em torno de quando ela irá acabar, uma vez que sabemos como ela terminará. Afinal, seria improvável que uma criança de sua idade conseguisse sustentar uma mentira dessas por muito tempo.

O que surpreende, portanto, não é a conclusão deste que seria o fio condutor da narrativa, mas a atitude de Sciamma frente a seus personagens, gerando uma naturalidade jovial que passa ao largo dos comodismos abundantes em filmes de temática semelhante.

Laure tem pais amorosos e uma irmã caçula cativante, além de um novo grupo de amigos bastante agradável, com quem ela pode compartilhar seus dias de verão. A maneira pela qual a diretora contém esses dois eixos é exemplar: nem um nem outro parece reduzir-se às necessidades da trama; o que também se reflete no ritmo cadenciado do filme, com Sciamma permitindo-se tempo suficiente para que a empatia pelos seus personagens não saia à força, de imediato. Em suma, a cineasta não impôs a si mesma a necessidade algo culposa de compadecimento do público, como se a aceitação devesse surgir pela nobreza do perdão por um suposto desvio alheio.

Tais características e complexidades dos personagens – não apenas de Laure – estão cristalizadas em uma das imagens mais eloqüentes do filme, quando, por fim, nossas dúvidas quanto às promessas de uma narrativa amplamente segura parecem eliminadas: após ter sua fantasia descoberta por sua mãe, Laure é levada à casa de seus amigos para que a situação fique esclarecida. No caminho ao apartamento de Lisa, uma conversa entre mãe e filha. Nessa passagem Sciamma, no modo brando que lhe é típico, mostra-nos aquilo que antecipará a cena derradeira do filme – o encontro entre Laure e sua amiga. Não há lugar para fuga ou subterfúgios: a necessidade de um posicionamento franco e digno é sobriamente demonstrado por sua mãe.

Com um elenco uniformemente excelente (com o destaque óbvio da jovem Zoé Héran e de Malonn Lévana, interpretando sua pequena irmã), Sciamma mostra como a entrada na adolescência de algumas pessoas pode ser, particularmente, difícil. Mas mostra também como, por sorte e inteligência, este momento pode não ser tão traumático quanto às vezes somos levados a crer que, obrigatoriamente, o são.

Bruno Cursini

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