Ano VII

Obsessão

segunda-feira jun 10, 2019

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Obsessão (Greta, 2019), de Neil Jordan

A Isabelle Huppert, parada, já é interessante o suficiente para sustentar o que quer que seja. Ela sabe disso, Neil Jordan sabe disso, o mundo sabe disso: em uma das cenas mais divertidas de Greta, a personagem título, vestida como um assassino dos gialli, fica estancada no lado de fora do restaurante em que trabalha Frances a, vítima do seu tresloucado afeto. Pequenucha, cabelinho que desce aos ombros e sobe novamente nas pontas, na famosa ondona, Isabelle e a eterna sobrancelha esquerda erguida alguns graus acima do horizonte, está lá, segurando a onda e as pontas de um filme desejoso de andar na linha. Não que o longa trabalhe no regime da opacidade; ao contrário, a autoconsciência só aparece aqui quando estritamente necessária (com medo de ser mal “interpretado”, o filme precisa dizer, muito no início da narrativa, qual o seu grande “tema”; não confunda, Greta não é uma predadora sexual!). Ou, então, em pequenas doses, como é o caso da cena descrita, a de Isabelle parada como um poste.

Por andar na linha, neste filme que começa com um plano de steadycam seguindo a personagem como um stalker na estação de metrô, quero dizer justamente isso: as analogias visuais são todas muito simples e a narrativa nos leva exatamente para onde se espera (uma das artes do cartaz chega a desenhar, de fato, o que representa a bolsa de grandes alças, objeto usado por Greta para atrair suas vítimas). Viajando na comparação pobre, é como acompanhar a chegada do proverbial encanador à residência da loira 90´s em Beverly Hills. A gente sabe no que aquilo vai dar. Não há mal algum, claro, em um filme de gênero aderir às regras sem dobrá-las e desdobrá-las, afinal, há gozo na rotina. Quando se tem uma performance tão saborosamente econômica quanto de Isabelle, realmente não se precisa de muito mais.

Na medida em que Obsessão adentra o terceiro ato, o filme se permite alguns gestos de histeria bastante potentes e/ou engraçados (voluntariamente). Destacam-se a cena no restaurante, em que Isabelle, em uma mistura de Tony Montana com Max Cady (De Niro em Cabo do medo), aterroriza a pobre Frances e os clientes, “falando em línguas”. Momento este que serve de construção para uma hilária gag envolvendo um membro decepado em uma exclamação em húngaro, um pouco adiante na narrativa.

Wellington Sari

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