Ano VII

Top 2016

sexta-feira fev 24, 2017
Certo Agora, Errado Antes: nosso favorito do ano.

Certo Agora, Errado Antes: nosso favorito do ano.

1. Certo Agora, Errado Antes (Ji-geum-eun…, 2015), de Hong Sang-soo (144 pontos; 6 menções)

2. Elle (2016), de Paul Verhoeven (118 pontos; 5 menções)

3. Visita ou Memórias e Confissões (1982), de Manoel de Oliveira (116 pontos; 5 menções)

4. A Assassina (Nie Yinniang, 2015), de Hou Hsiao-hsien (100 pontos; 5 menções)

5. Café Society (2016), de Woody Allen (72 pontos; 4 menções)

6. O Cavalo de Turim (A Torinói Ló, 2011), de Béla Tarr (68 pontos; 3 menções)

7. A Academia das Musas (La Academia de las Musas, 2015), de José Luis Guérin (56 pontos; 3 menções)

8. Sully: O Herói do Rio Hudson (Sully, 2016), de Clint Eastwood (52 pontos; 3 menções)

9. A Bruxa (The Witch, 2015), de Robert Eggers (50 pontos; 3 menções)

10. É o Amor (C’est l’Amour, 2015), de Paul Vecchiali (42 pontos; 2 menções)

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1. Certo Agora, Errado Antes (Ji-geum-eun-mat-go-geu-ddae-neun-teul-li-da, 2016), de Hong Sang-soo (144 pontos; 6 menções)

A famosa anedota kubrickiana da repetição infindável de takes e a folclórica abordagem de Dalton Trevisan em relação ao conto – escrever dez, vinte, trinta, quarenta variações de um mesmo motivo –  mostram duas coisas:

1 – O método escolhido por um artista é, justamente, apenas um método, que serve para colorir livros de título “Conversas com…”.

2 – Uma busca obsessiva que se traduz em evidência; algo que se materializa; um universo que, repetido com tanta minúscula variação, tanta radical imperceptível alteração, que acaba por, paradoxalmente, soterrar o autor, o dispositivo.

Hong Sang-soo pertence à segunda categoria (seus personagens também são de segunda categoria, o que é maravilhoso). Quanto mais suas obras gritam “filme!”, mais o abismo ecoa “vida!”.  Sair do cinema e caminhar sozinho em meio ao frio, sentir-se bem por simplesmente contar a verdade quando em outros momentos mentiu, conhecer alguém novo por dois dias e ir embora, tudo isso é o que há de certo na vida. Não é por coincidência que aparecem na tela do sul-coreano.

Wellington Sari

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2. Elle (2016), de Paul Verhoeven (118 pontos; 5 menções)

Chegando em casa após a sessão de Elle, a troca de mensagens entre amigos cinéfilos que assistiram à mesma sessão versava sobre o seguinte tema: Como dormir depois de assistir a um filme como esse? Pois bem, tal questionamento comprova o quase unânime impacto de um filme no qual um dos principais méritos é de fato provocar incômodo. Pode-se até não gostar de Elle, não há porem como negar seu infinito potencial de chafurdar a mente, não somente daqueles que acabaram de assisti-lo, como também a permanência desse incômodo com o passar de semanas ou meses.

Retornando aos longas após uma década de ausência, Verhoeven, cineasta quase nunca menos que essencial, reúne aqui a tensão incessante que caracteriza sua fase americana à delicada ironia de muitos de seus filmes holandeses. Elle é filme que dá margem a inúmeras leituras, algumas até mesmo equivocadas, como a de uma possível misoginia. Seja como crítica amarga e debochada à mesquinhez humana, seja como um ácido retrato da falência das relações entre os indivíduos na sociedade contemporânea, qualquer tentativa em defini-lo acaba por parecer demasiado simplista, falhando em dar conta de sua indefinível grandeza. Melhor encarar de peito aberto as cutucadas que nos são impostas e sorver o prazer de ter pela frente não somente uma, mas duas obras-primas: o filme propriamente dito e a atuação definitiva de Isabelle Huppert, num momento em que, como poucas vezes na história do cinema, um intérprete consegue posicionar-se como praticamente um co-autor para a concepção fílmica proposta por um diretor.

Gilberto Silva Jr. 

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3. Visita ou Memórias e Confissões (1982), de Manoel de Oliveira (116 pontos; 5 menções)

Após 40 anos em uma mesma casa, Manoel de Oliveira é obrigado a vendê-la, e faz, daí, este convite ao espectador, compartilhando algumas lembranças que lhe acompanharão. O resultado é um filme calmo, impregnado de uma magia fantasmagórica que nos remete a O Estranho Caso de Angélica, onde a morte jamais era vista de modo funesto.

Por entre textos de Agustina Bessa Luiz, reflexões e reminiscências, Oliveira e sua esposa, Maria Isabel, mantêm uma serenidade que faz passar ao largo qualquer amargor que poderia vir dessa situação; afinal, é evidente as profundas raízes que eles se veem compelidos a deixar. Essa naturalidade frente a um momento comovente mas inevitável (também um aceno a não nos deixarmos abater por esta despedida, a nossa em relação a Oliveira) traz à mente o poema de Abílio de Guerra Junqueira, cantado com resignação pela própria Maria Isabel, em Porto da Minha Infância: “Ai, há quantos anos que eu parti chorando / deste meu saudoso, carinhoso lar! / Foi há vinte?… Há trinta?… Nem eu sei já quando! / […] Canta-me cantigas manso, muito manso / tristes, muito tristes, como à noite o mar / Canta-me cantigas para ver se alcanço / que a minha alma durma, tenha paz, descanso / quando a morte, em breve, ma vier buscar!”

Bruno Cursini

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4. A Assassina (Nie Yinniang, 2015), de Hou Hsiao-hsien (100 pontos; 5 menções)

Num texto intitulado “O que é a mise en scène?”, Alexandre Astruc afirma que um dos mais belos filmes do mundo havia sido realizado por um velho diretor japonês, o qual só estava preocupado em realizar, da melhor forma possível, o seu trabalho. O filme em questão é Contos da Lua Vaga (1953), seu diretor, Kenji Mizoguchi. No arremate, Astruc colocava a ideia de que a obsessão do artista seria o próprio ato de criação artística. É o que nos fica, também, de um dos mais belos filmes realizados nos últimos anos, A Assassina, do taiwanês Hsiao-hsien Hou. Pode-se especular acerca dos diversos pontos (amor, traição, poder, ciúmes, vingança) a partir dos quais Hou constrói a sua elíptica trama – pontos que são, de fato, relevantes – mas não é o que está no centro do filme em questão. O que nos fica e o que há de mais precioso aqui é a obsessão pela criação (ou seria melhor transcriação): Hou adentra o que se convencionou chamar de “jianghu” (uma espécie de conceito de universo, no qual se passam as tramas tradicionais do gênero wuxia) para fazer de cada plano um tratado sobre o que é o próprio ato de encenar. Transfiguram-se as regras de um universo – do “jianghu” – para que outro se imponha e seja levado até o seu limite: o que está em jogo, então, é a própria obsessão da criação; não a mera vontade de subversão ou de flerte com um gênero, mas o realismo – do qual tanto se fala a respeito do cinema de Hou – da própria criação, exposto em sua mecânica do mais puro fascínio.

Guilherme Savioli

 

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5. Café Society (2016), de Woody Allen (72 pontos; 4 menções)

Uma das muitas entradas que podemos fazer à filmografia de Woody Allen é contrapor seus títulos nostálgicos e agridoces àqueles mais pungentes e sarcásticos. Se seu filme anterior, Homem Irracional, era um belo representante desta segunda vertente, Café Society figura-se na primeira categoria, na qual seu lado felliniano salta mais aos olhos - no limite, não seriam suas reiteradas festas tão artificiais e evocativas quanto os cenários dos filmes tardios de Fellini?

Em comum, repetem-se tanto questões morais quanto uma vontade em inserir seus personagens em uma espécie de laboratório sócio-religioso. Aqui, entretanto, Allen seguirá à risca aquele famoso preceito de Jean Renoir onde todos teriam suas razões: tentando achar um personagem a se culpar, você não encontrará nenhum! Esta empatia generalizada talvez se dê pela fluidez melancólica com que o diretor os conduz, deixando sempre implícito um destino, se não trágico, resignado, como o são em grande medida todos os nossos. Se a vitória plena raramente é possível, não é por isso que ao final devemos despencar em um poço de elevador.

Bruno Cursini

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6. O Cavalo de Turim (A Torinói Ló, 2011), de Béla Tarr (68 pontos; 3 menções)

Um filme que parte de uma anedota filosófica e trabalha com alguns procedimentos como a imagem em preto e branco, o plano sequência – quase sempre uma steadycam seguindo as personagens em suas atividades cotidianas – e uma narrativa lenta e repetitiva, sobre o dia a dia humilde de camponeses. Caso tomássemos apenas essa brevíssima e superficial descrição como plena verdade, O Cavalo de Turin, longa de 2011 (mas que só chegou ao circuito brasileiro, tardiamente, em 2016), do húngaro Béla Tarr, poderia alinhar-se ao que há de mais detestável no que se convencionou chamar de cinema contemporâneo de festivais. Nada mais equivocado e distante do que isso. Só há uma coisa fundamental, inescapável, que interessa ser mostrada e é nessa missão que Béla Tarr se engaja: figurar uma imagem do fim. Em seu minimalismo e nas suas quase 2h30 de projeção, apenas duas intrusões externas, naquele hui clos de pai e filha, as quais fazem penetrar, de uma vez por todas, o inevitável apocalipse; e a recorrente trilha musical, a qual imprime, progressivamente, o destino da luz (logo, do mundo e suas imagens).

Guilherme Savioli

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7. A Academia das Musas (La Academia de las Musas, 2015), de José Luis Guérin (56 pontos; 3 menções)

Filme essencialmente rohmeriano, A Academia das Musas tem como base o cotejo entre teoria e realidade. De um lado a palavra, a literatura, a ficção, a sala de aula; de outro, o mundo. As ideias dos sentimentos contra os sentimos postos em prática. A relação entre essas partes nunca é um encaixe perfeito, mas um embate cheio de dificuldades, de arestas, de erros. Pois o mundo subsiste, amorfo, maravilhoso, incompreensível. Guerín o capta aqui “ao natural”, sob uma luz bruta, precária, rebatida em espelhos, sem qualquer ordenação idealista (estamos muito longe de Na Cidade de Sylvia). O mundo é torto, o mundo dá voltas, e em meio a isso as palavras eventualmente falham. E nós permanecemos perplexos, frustrados, em busca de algo, de um consolo, numa tentativa vã de provar nossa ideia de mundo, nossa teoria. Um filme didático e maravilhoso, ou maravilhosamente didático. Rohmer certamente ficaria feliz se tivesse a oportunidade de vê-lo.

Calac Nogueira

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8. Sully: O Herói do Rio Hudson (Sully, 2016), de Clint Eastwood (52 pontos; 3 menções)

Começando por J. Edgar (2011), Clint Eastwood passa voltar sua carreira de cineasta para o exame de casos exemplares que retratam em formas contrastantes como a cultura americana concomitantemente constrói e destrói impiedosamente seus mitos. Histórias de personagens reais que mixam em sua essência sucesso e fracasso, grandeza e decadência. Mesmo em um projeto de origem tão diversa como Jersey Boys (2014), adaptado de um musical da Broadway, Eastwood consegue impor essa visão pessoal. Com Sully, observamos que tal proposta atinge um ponto máximo de depuração, focando-se em um curtíssimo e quase desastroso vôo, ao fim do qual o personagem título, experiente piloto aéreo, consegue com uma arriscada manobra de pouso, salvar toda tripulação e passageiros. Essa depuração se apresenta, entre outras formas, no retrato de como, em um brevíssimo espaço de tempo, o protagonista pode ser visto igualmente como herói pela mídia e improvável vilão pelos órgãos que regulam a navegação aérea. O comandante Sully, conforme a rigorosa composição de Tom Hanks, se mostra aqui um homem absolutamente comum em sua trajetória e motivação, em contraste com os personagens centrais dessa atual fase “eastwoodiana”: um poderoso chefe do FBI, um pop-star e um herói de guerra, todos apresentados em períodos longos de suas vidas. Sully igualmente se destaca como um elaborado exercício de mise-en-scène, onde um episódio que não ultrapassa 3 minutos em duração (o vôo em questão) é reencenado repetidas vezes, em um crescendo que consegue evitar totalmente a redundância. Eastwood une a precisão de sua encenação a um virtuoso trabalho de edição de som e imagem, que resultam em verdadeira aula de concisão cinematográfica nesse que, não por coincidência, é o mais curto (96 min) entre os filmes do diretor.

Gilberto Silva Jr.

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9. A Bruxa (The Witch, 2015), de Robert Eggers (50 pontos; 3 menções)

A diferença entre a musa e a bruxa é o lado para qual aponta a parte superior da cruz que lhes abençoam, norte ou sul. Em A Academia das Musas, outro belo filme deste top 10, o professor fica inspirado a escrever um soneto depois de conversar com uma das alunas sobre a possibilidade de os homens, ao longo da história, terem esculpido, pintado, escrito e cantado sobre mulheres sem nunca compreendê-las de fato. A influência de Tomasini, a jovem de cabelos loiros de A Bruxa, passa pelo mistério e pela incompreensão, que atravessa os personagens masculinos do filme, os espectadores e a própria natureza da obra.  Como em um quadro de Albrecht Altdorfer, a natureza não é mero detalhe de fundo, mas o fundamento que sustenta a composição, em que a bruxa atua com satânica força vital. O que é ela, quem é ela, como é ela (a força e a bruxa), não se apreende durante a projeção, mas no depois. No depois, quando a bruxa já se despiu para melhor amalgamar-se à natureza e sublimou aos céus.

Wellington Sari

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10. É o Amor (C’Est L’Amour, 2015), de Paul Vecchiali (42 pontos; 2 menções)

Desde que Odile (Astrid) e Jean (Julien Lucq) discutem em casa, logo no início, e Vecchiali opta por oferecer os dois lados consecutivamente, rejeitando o contracampo e convidando o espectador à repetição, sabemos estar diante de um filme raro. É mais um projeto antidogma de Paul Vecchiali, diretor que finalmente tornou-se conhecido no Brasil e ganhou novo reconhecimento internacional a partir de Noites Brancas no Píer. Mas continua menos celebrado do que deveria.

É o Amor ainda nos oferece uma série de tiradas incomuns na produção contemporânea, um verdadeiro espírito libertário: tiração de sarro com Um Estranho no Lago, uma entrevista hilária na TV, momentos emocionantes de dança, o vestido vermelho de Astrid Adverbe, um olhar frontal e afetivo para as relações amorosas e todas suas complicações. Filme raro, eu dizia. Mágico talvez seja uma palavra melhor para descrevê-lo.

Sérgio Alpendre

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