Ano VII

Visões do Passado

sábado mar 26, 2016

backtrack

Visões do Passado (Backtrack, 2015), de Michael Petroni

O thriller psicológico é um dos mais conservadores sub-gêneros cinematográficos. Se não no sentido formal, em sua moralidade. Ao contrário do horror, o thriller quase sempre lida com a necessidade de se resolver um trauma que de alguma maneira perturba o bem-estar da família. Dizer que todo thriller tem como base uma esposa, um filho – vivo ou morto – e uma casa não seria necessariamente afirmação irresponsável, então, fiquemos com ela: todo thriller tem uma esposa e uma casa e uma das duas ou será momentaneamente abandonada ou brevemente invadida. Não deve ser coincidência o fato de que no auge de um tipo específico de thriller, o giallo, praticamente não existia uma coisa nem outra. Quando havia casamento, havia a promiscuidade (O Ventre Negro da Tarântula) e quando existia a figura da esposa, ela era lésbica (Um Lagartixa Num Corpo de Mulher). Não por acaso, também, muitos gialli terminam de maneira trágica, com o frame congelado de um rosto em pânico ou desespero sendo imagem recorrente. É moralismo, mas é consequência óbvia: ninguém brinca com a perversão e sai ileso.

Em Visões do Passado, Adrian Brody se vê às voltas com dois traumas, um deles ligado à morte da filha, que o afasta da esposa e da casa. Para livrar-se daquilo que lhe atormenta, o personagem, um psiquiatra, deverá retornar à casa dos pais. Para que se cause algum sentimento de repulsa ou ansiedade, é preciso existir qualquer tipo de violação, seja da realidade física ou psicológica – o assassino, o fantasma ou a alucinação invariavelmente irão aparecer. Como o diretor irá lidar com a perversão? Michael Petroni, que também é roteirista do filme, é muito correto e educado. Seu thriller movimenta-se com a inevitabilidade tranquila da máquina burocrática. As peças vão se encaixando todas no seu tempo: os delírios do protagonista são revelados no fim do primeiro ato, no segundo é introduzido de maneira relativamente sorrateira o vilão e, no terceiro, volta-se a andar trilho.

Não há problema algum que se atenha a uma estrutura básica e pré-moldada, desde que haja algo a mais para se olhar. Desde que esse vagar por cima do trilho possibilite a visão de algo que gere o trauma, não que o apague – o papel do horror é esse afinal.  Visões do Passado, em um ínfimo momento, ocupar-se com o lado de fora do trem – e se insisto na analogia ferroviária é por ser inevitável; o filme, que tem como motivo central um acidente de trem que é descarrilhado de propósito, parece querer tanto ficar apenas na linha quanto nunca sair para lado de fora do vagão confortável, preferindo a luz à escuridão. Tal momento acontece quando o personagem de Brody olha através da janela de casa o balanço se movimentando sozinho no quintal. “Paisagem” banal, não fossem as formas de um rosto, gerado pelo jogo de luz e sombras, no canto inferior do quadro. Mesmo assim o pequeno arroubo não deixa de ser burocrático, já que logo no início de Visões do Passado há didática menção aos elementos ocultos no quadro Paisagem de Inverno com uma Armadilha de Pássaros, de Pieter Bruegel.

Wellington Sari

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