Ano VII

Norte: O Fim da História

terça-feira jan 19, 2016

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Norte: O Fim da História (Norte, Hangganan ng Kasaysayan, 2014), de Lav Diaz

Não tenho nada contra filmes grandes. Eureka, de Shinji Aoyama, por exemplo, tem as mesmas quatro horas de Norte, e é quase tão lento quanto. Aliás, não tenho nada contra filmes lentos também. O cinema de Béla Tarr, por exemplo, como também o do Alexander Sokurov, é mais lento que o de Lav Diaz. Duração e lentidão não são problemas a priori. Composições extremamente rebuscadas, com uma luz cuidadosamente desenhada em planos fixos ou travellings bem lentos, também não me causam hojeriza. Os últimos dois filmes de Nuri Bilge Ceylan e Cavalo Dinheiro, de Pedro Costa, entre outros, estão aí para mostrar que é possível trabalhar com esses elementos em ótimos filmes.

Qual seria, então, o problema com Lav Diaz? Talvez a junção de todas as características do parágrafo anterior acrescidas de uma, que parece contornar seus filmes deixando-os com uma forte impressão de falsidade (impressão minha, decerto, mas creio que outros poderão sentí-la, pois não se trata de birra – já fiz, ao menos uma vez, a prova dos nove): há uma violência insuportável em Norte. Uma violência que parece sensacionalista quando emoldurada pelos outros elementos que destaquei, e que faz com que o protagonista seja uma figura totalmente abjeta, sem contornos humanos (o que não combina com o tipo de atenção que Lav Diaz demonstra, ou tenta demonstrar, com pormenores do comportamento humano).

Pensemos, então, na palavra mágica: adequação. A duração parece mais derivada de uma verve transgressora do autor (famoso por seus filmes de 4, 5, 7 horas) do que por uma necessidade da trama. A lentidão existe porque é artística, um estilo auto-imposto que o diretor não abandona, pelo contrário, submete suas tramas a ela. Os travellings lentos normalmente disfarçam a negação dos contracampos, mas também servem para que as composições excessivamente artísticas sejam mantidas na maior parte do tempo, com as variações necessárias de luz para que isso aconteça. É natural que com tantas tentativas, algumas composições sejam realmente belas, e não só falsamente belas. Digamos, se o filme tiver 400 planos (100 para cada hora), ao menos uns 50 deles (sendo otimista) são muito bem feitos, em total concordância com o que é mostrado. É uma média baixa, 12,5%, matematicamente falando.

Esse é meu problema com Lav Diaz, e, especificamente, com Norte: O Fim da História: muita pompa para pouco resultado; muito lenga-lenga para pouco drama. Começa de maneira insuportável, torna-se melhor conforme o drama aparece, mas não o suficiente para apagar o início muito ruim. A tendência do diretor para o sensacionalismo, por sinal, faz com que a última hora tenha também momentos muito ruins, incluindo um estupro incestuoso mostrado com alta dose de frieza (algo como Ulrich Seidl, convenhamos).

Os primeiros quinze minutos são de doer. Das piores coisas que vejo em muito tempo. Um dos travellings desse início faz aquele famoso travelling de Kapó parecer Mizoguchi em comparação. É lateral, da esquerda para a direita, numa paisagem desértica. Começa mostrando apenas a paisagem, para lentamente revelar um homem sentado, poderia dizer, posando, como numa propaganda de roupa. Logo depois, na continuidade do movimento, revela um outro homem, de pé, que lê um livro, aparentemente muito  concentrado (acho que já vi exatamente isso em alguma propaganda brasileira dos anos 80). Em seguida, o protagonista (ou um deles, já que esse primeiro protagonismo parece um tanto diminuído lá pelo meio do filme, sendo fortalecido novamente depois) grita para o horizonte: “fuck you”. É um sopro de transgressão poser que Peter Greenaway aplaudiria, se demonstrasse algum apreço por outro cineasta contemporâneo.

Sérgio Alpendre

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