Ano VII

Malditos premiados

quarta-feira jan 20, 2016

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Crônica: Malditos premiados

Por Sérgio Alpendre

Muitos já perceberam que uma premiação pode dizer várias coisas, mas não necessariamente que o filme premiado seja mesmo bom. Os premiados dos últimos festivais internacionais (digamos, de 2014 e 2015) continuam despertando a maior curiosidade dos cinéfilos, que eventualmente ignoram o belíssimo Cavalo Dinheiro, mas irão se acotovelar para ver a lenga-lenga interminável de Lav Diaz que tirou o prêmio máximo de Locarno 2014 do filme de Pedro Costa (que por sua vez ficou só com prêmio de realizador, que vale alguma coisa, para os cinéfilos, se for em Cannes, Veneza ou Berlim… Vai entender). Comércio, dizem os sábios. É tudo questão de comércio. Daí vem gente falar em cinema de autor…

São muitos os relatos que ouvi e li, durante a Mostra 2015, por exemplo, de críticos veteranos e de outros nem tanto, que enxergam as premiações como o jogo comercial que deve ser enxergado. Está rolando até piada: “esse filme deve ser ruim”/ “foi premiado em tal festival”/ “xii, então deve ser ruim mesmo”. Os últimos premiados em Cannes e Veneza, respectivamente, Dheepan , do medíocre Jacques Audiard, e Desde Allá, de Lorenzo Vigas, têm despertado esse tardio questionamento, quando não um sentimento salutar de revolta (“por onde andaria a cabeça desses jurados?”). Locarno 2015, ao menos, premiou Hong Sang-soo, mas esses acertos têm se tornado raros.

Sei que há exceções, mas geralmente ganha quem faz mais ou melhor lobby, ou quem se associa a mais poderosos, quem bajula mais e melhor, quem tem mais conexões internacionais: o maldito network que se antecipa à inquietação artística (e muitas vezes a substitui). Os principais festivais europeus, aqueles por onde corre mais dinheiro, estão corrompidos pelo comércio de filmes, e, como disse Louis Skorecki, a respeito de premiações como a do embuste Xavier Dolan em Cannes, isso pode ser um sinal do fim desses festivais (como evento de credibilidade) e, por consequência, do cinema (que não teria mais para onde fugir quando confrontado às tais exigências do mercado, essas assombrações invocadas pelos homens de dinheiro). Fim, bem entendido, de um tipo de cinema dependente de louros para ser exibido a um público mais amplo, fora dos festivais. De um tipo de cinema, digamos, que é predominante, sem ser blockbuster. Do fim, então, talvez surja um recomeço. Mas aí já estou otimista.

A lógica é simples e tenebrosa: os festivais premiam filmes pelo tema, pelo produtor, pela possibilidade de vendas ou por qualquer outro motivo extracinematográfico; os filmes premiados despertam a curiosidade dos cinéfilos e críticos mais ingênuos, que fazem filas e muitas vezes gostam por estarem condicionados a esse verniz de “premiado em festival internacional” (ou o verniz mais estúpido ainda do candidato à indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro), um verniz que reluz como ouro diante dos neófitos (alguns cinéfilos permanecem neófitos mesmo com 30, 40 anos ou mais de cinefilia); esses filmes entram em circuito comercial, independentemente de serem bons ou não, a chancela de um festival de peso é o suficiente. É até compreensível que entrem em circuito. Mas se recebem elogios automáticos motivados por premiações é um grande mal. Não precisa somar dois mais dois para entender que isso representa a falência do cinema dito autoral. Quando um grande autor, que não precisa de chancelas, é reconhecido por um desses festivais, muitas vezes parece compensação, ou uma simples coincidência (o lobista dele trabalhou melhor nos bastidores, talvez).

Claro que há críticos e cinéfilos (ainda estou por censurar esta palavra, mas penso que não é a hora) que se mantêm livres para criticar escolhas e defesas de outros críticos, ou para atacar (palavra fora de moda que não pretendo censurar) um filme que ganhou prêmio importante. Mas entendo que esses estão longe de representar a maioria. O filme premiado provoca filas em festivais futuros, é comprado e vendido por uma dinherama e todos ficam felizes. Menos o amante de cinema. Esse terá de ver sua arte preferida morrendo sob o peso nada criterioso (artisticamente falando) de mercadores e publicitários.

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