Ano VII

Taxi Teerã

terça-feira jan 19, 2016
Taxi-5

Táxi Teerã (2015), de Jafar Panahi

Seguindo Isto Não é um Filme e Cortinas FechadasTáxi Teerã é o terceiro tour de force de Jafar Panahi após sua condenação por criar “propaganda contra o governo iraniano”. Como nesses outros dois trabalhos – e como não poderia deixar de ser – seus recursos e possibilidades de encenação são escassos ao limite, levando a propalada noção de minimalismo do cinema iraniano a um novo patamar. A novidade fica por uma imensa abertura ao mundo, a percepção de um fora de campo que parece invadir as dimensões do veículo. Tal sensação, é claro, já poderia ter sido prevista desde a ideia deste falso documentário, no qual Panahi faz as vezes de um motorista de táxi que, com câmeras de segurança instaladas no interior do carro, passeia pela capital iraniana conversando com seus passageiros. Se fosse pego, poderia afirmar que as câmeras de segurança estavam ali para registrar algum eventual roubo, nada a ver com a realização de um filme. Se o dispositivo lembra aquele explorado em Dez, de Abbas Kiarostami, a experiência oferecida por Táxi Teerã funciona quase como sua antítese – e não só dele, mas também de Isto Não é um Filme e Cortinas Fechadas, filmes de clausura, conceituais, mesmo que conduzidos com a sutileza característica de Panahi.

Táxi Teerã é luminoso e jovial, demonstrando não apenas a vontade (ou melhor: o direito de filmar), mas principalmente a imensa alegria de seu ato. Sabendo que seu filme jamais seria exibido em seu país, Panahi faz dele uma carta ao mundo, um painel de parábolas ensolaradas e afetivas sobre a sociedade iraniana e a capital do país. O espectador, sempre consciente de estar vendo um filme, vai sendo levado pelo diretor, que evitará a todo custo o cinismo e a aflição que, numa conjuntura como esta, seriam absolutamente compreensíveis.

Entre as tantas conversas, fala-se muito de cinema e o próprio filme funciona também como uma homenagem à obra do próprio Panahi, num exercício que, se poderia tornar-se egóico, resulta lúdico, ao mesmo tempo funcionando como um amargo lembrete do que podemos estar perdendo com esta absurda sentença. Assim, uma freada mais brusca do táxi faz com que um kinguio caia para fora do aquário, trazendo à mente a estreia de Panahi em longa-metragem de ficção, O Balão Branco, de 1995; numa outra situação, remete a Fora do Jogo, quando lembram o caso de uma mulher que foi condenada por ter entrado escondida (e ilegalmente, claro) em um estádio. Quando sai de sua filmografia, continuam as referências e associações: um vendedor ambulante de DVDs piratas, convertido numa espécie de traficante bufão, entra no táxi e o reconhece. Imediatamente, ele vislumbra uma parceria: como seus clientes gostam de cinema a ponto de comprar títulos proibidos em seu país, eles ficariam incentivados a gastar mais se um cineasta famoso estivesse presente, seja sugerindo o novo Woody Allen ou a quinta temporada de The Walking Dead.

De todas estas pequenas corridas, não há dúvida de que aquela com a sua sobrinha seja a mais encantadora. Falante e cheia de energia, a menina já chega reclamando do estado do carro: ela havia falado para suas amigas que seu tio era um cineasta famoso e elas não vão acreditar depois de o verem neste carro acabado. Sua maior preocupação, contudo, é outra: ela deve entregar um curta-metragem como trabalho escolar. Sendo algo oficial, ela terá de respeitar todas as normas impostas pelo professor, algo que pareceria hilário não fossem essas mesmas leis (ou algo muito próximo a elas) que tiraram a liberdade de seu tio. É com a entrada da garota em cena que o que era meramente um trabalho muito agradável passa a se tornar especial. E é também pelo prazer que ela nos dá que o último plano surge ainda mais abrupto, pois se até então pensávamos estar diante de mais um corajoso ato de Panahi, após sua violenta conclusão ficamos com a certeza de que era isso mesmo, sem dúvida, mas muito mais: uma grande obra reflexiva de um artista em pleno controle de seu meio.

Bruno Cursini

 

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