Ano VII

Pardais

quinta-feira out 29, 2015

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Pardais (Sparrows, 2015), de Rúnar Rúnarsson  

Segundo longa do islandês Rúnar Rúnarsson, Pardais é tão claro em seus eventos e intenções quanto o branco que dominará as suas imagens, a começar pelo primeiro plano, no qual a câmera que filma o teto cândido de uma igreja volta-se para baixo, revelando o coral responsável pela música que ouvimos. Entre os cantores, Ari (Atli Oskar Fjalarsson), um garoto puro à medida de sua frágil aparência. Em breve sua mãe partirá à Africa com o novo marido e o garoto terá de voltar à Islândia, onde passará a dividir a casa com um pai alcoólatra e arruinado. Eis os elementos necessários para mais uma história de perda de inocência e inadequação juvenil, utilizando-se de simbolismos e enredo tão batidos quanto, neste caso, eficazes: se as muitas panorâmicas desta pequena vila islandesa rodeada por montanhas vêm a sublinhar toda a solitude do jovem,  é ali também que ele terá de lidar com conflitos há muito esquecidos, fazendo novas amizades e reencontrando outras.

O mérito de Rúnarsson está em utilizar a seu favor a familiaridade que todos temos com seus tema e personagens, dedicando um cuidado salutar às atuações contidas de seu elenco e à inserção do espectador em um espaço muito bem definido. Chega a surpreender não haver excesso algum em sua condução: a fotografia granulada, o predomínio das tonalidades alvas, a tranquilidade dos planos, a utilização prudente do campo/contracampo; tudo caminha em função da melhor compreensão possível dos impasses de seu protagonista. Até mesmo quando as situações pendem abertamente aos clichês mais prenunciados, o cineasta consegue salvá-las da vulgarização. Ao lidar com a sexualidade de Ari, para ficarmos em uma seara propensa aos exageros, basta ver como ele o faz de uma maneira bastante discreta: após começar uma amizade com um colega do trabalho, ambos vão ao chuveiro coletivo. A tensão sexual entre eles é evidente, mas jamais  temos um desencadeamento deste momento, apesar de por ele aguardarmos a cada cena. Em outro momento, que parece inicialmente flertar ainda mais com um certo cinema dado aos choques festivos, Ari vê, em seu quarto, a mulher (obesa e madura) com quem seu pai mantém uma relação de sexo casual. O que em outras mãos certamente surgiria escandaloso ou grotesco, aqui resulta em um momento de múltiplos e contraditórios sentimentos (conforto, tristeza, estranhamento, prazer), mas entre os quais não há  resquício de perversidade. O próprio personagem do pai, apesar de rude e amargurado – ou seja, o oposto do filho -, de modo algum pode ser tomado como vilão.

Ainda assim, e talvez até mesmo em parte por esse acanhamento narrativo – afinal, todos têm suas razões para sofrer -, Pardais nunca chega de fato a arrebatar. Esse tom de melancolia adolescente, cujos piores momentos lembram uma canção do Renato Russo, às vezes dá no saco e seu último ato me parece, particularmente, formulaico. Sua virtude é, portanto, modesta: uma história simples contada da maneira apropriada. Deveria ser o beabá; hoje, é exceção.

Bruno Cursini

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