Ano VII

Sobre a juventude portuguesa

terça-feira out 27, 2015

As ficções sobre a juventude portuguesa: Montanha, de João Salaviza; John From, de João Nicolau

São dois olhares curiosos e, em alguma escala, fascinados com o universo juvenil que retratam. Montanha é o filme de estreia em longas ficcionais de João Salaviza. Ele se aproxima, com direito àquele tempo de observação letárgico da câmera, do mundo de David (David Mourato), um garoto que cresceu à margem da sociedade, enquanto a família se afunda em seu destino trágico. John From é o segundo longa de João Nicolau, e opta por um universo mais humorado, que gira em torno de Rita (Júlia Palha), uma adolescente que cria mundos ao entorno de sua paixão juvenil por um vizinho fotógrafo. Há abismos de diferenças de propostas estéticas e abordagens dramáticas, mas em ambos os filmes pulsa algo forte e verdadeiro pelo mundo destes jovens.

Montanha

Montanha

Desconheço os premiados curtas de Salaviza, mas a impressão inicial de Montanha foi de um filme que flerta diretamente com um certo tipo de realismo social. David – como em alguma medida os outros jovens e sua irmã – vive ali como que à margem do padrão: criado pelo avô que está doente, e nunca em cena, a mãe surge cá ou lá mas parece presente apenas pelo pai enfermo. Enquanto isso, o pequeno furto de uma moto norteia parte da cadeia narrativa, além da ausência do garoto na escola e seu bloqueio para lidar com os estudos. São pequenos elementos que, somados ao estilo de aproximação escolhido pelo diretor, apontam um conceito, deste ponto de vista, teórico. A realidade do filme é mais ampla, menos fria do que a ideia sugere. Os vai-e-vens de David e sua dificuldade de expressar aquilo que sente, por exemplo, como na relação dele com Paulinha, funcionam bem, interessam, criam algum tipo de carinho pelo que se vê em cena.

timthumb.php

John From

João Nicolau carrega consigo essa pecha de ser mais um cara da produtora O Som e a Fúria e isso força naturalmente uma aproximação com o seu parceiro mais famoso e, também, mais cínico, Miguel Gomes. Algo ali realmente os une para além de uma unidade de produção. Deve ser uma certa extrema consciência de seus artifícios cinematográficos que torna este filme menos saboroso do que poderia ser. Mas nem por isso o vejo pálido, vivendo de pequenos comentários engraçados, como parece o caso do primeiro volume deste novo épico de Gomes. Vejo em John From um olhar carinhoso ao seu micro-mundo, mesmo antes de Rita colocar toda sua magia nele. A maneira como Nicolau constrói o ambiente, os locais por onde Rita passa todo dia, os encontros com sua amiga, os rituais particulares que compõem os dias de férias da moça, o sol na pequena varanda, o piano, os pequenos apelidos. Os bons momentos isolados, as cenas mais divertidas, parecem um pouco mais fortes separadas do que no coletivo, o que sempre me passa a impressão de algo fora do eixo. Não é nem de perto aquilo que mais me interessa no filme, mesmo sendo este recheado de sequências bacanas, como quando as meninas ouvem músicas, ou a festinha, ainda no começo, ou a cena da doença da Micronésia.

O que torna minha visão sobre estes dois filmes tão diferente, é que observo um deles, Montanha, como um ideal de algo palpável. Uma ficção feita para ser absorvida sobre uma cartilha, o distanciamento de certos planos, aquele observar por vezes quase idiota que toma conta do filme. São caminhos, visões díspares do que seria a maneira fabular de contar a vida de um jovem em Portugal. É claro que temos diferenças nas tramas dos filmes – enquanto a história de Rita fala de uma moça de classe média, a do David relata o conto de um menino que vive com pequenos trocados no bolso. Não são nem de perto relatos de personagens parecidos. Mas há algo no filme de Nicolau que é verdadeiramente interessante, algo especial, ao menos para meu olhar. É um filme que elogia e acredita na fabula, especialmente num tipo dela, a auto-ficção: enquanto no John From vemos Rita recriar o mundo onde vive até atingir um ideal imaginário, no Montanha vejo apenas o pobre David se perder num conceito do real que julgo mais tedioso. Acho infinitamente mais expressivo, e por isso mais bonito, este elogio da auto-ficção, daqueles que independente do mundo em que vivem, jovens ou velhos, são capazes de construir para si um mundo adequado ao seu olhar. Não o vejo apenas como uma fábula pela fábula, mas como um caminho para uma verdade na minha compreensão mais pura do termo – aquela que corresponde a expressão dos nossos sentimentos.

Guilherme Martins

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br