Ano VII

Bata Antes de Entrar

domingo out 18, 2015

bataantes

 

Bata Antes De Entrar (Knock Knock, 2015), de Eli Roth

Um cineasta não precisa ser depalmiano. Mas, quando escolhe encarar o cinema negando todos os preceitos de Brian De Palma, é evidente que algo muito doentio, porque falho, perturbado e incapaz, se passa durante a tradução do mundo concreto em imagem. “Isso não é um sonho”, aparece escrito na camiseta de uma das jovens em Bata Antes de Entrar.  Abdicar, de modo tão vulgar, de qualquer traço onírico quando se põe a filmar o horror, é responder aos desvios psicológicos, é alimentar a alma corrompida do psicopata que caminha pela silk road.

No epílogo de Pecados De Guerra, quando Michael J. Fox acorda, suado, dos horrores da guerra de baixa humidade e grandes perdas, morais e físicas – mais do que membros dos pelotões ou do próprio corpo, o soldado que lutou no Vietnã perdeu parte da alma -  e desce do trem em busca da jovem asiática que lhe traz lembranças. Ela diz: “você teve um sonho ruim, pelo jeito. Mas já passou”.  Tudo o que vimos antes do prólogo foi, de fato, um pesadelo e, por meio do exame cuidadoso deste sonho terrível, é que De Palma alcançou o aspecto mais importante, por ser mais real, da infame guerra: o aspecto moral. O mergulho através do sonho encharca o corpo de verdade de modo muito mais pungente do que um documentário da BBC sobre o conflito. O pesadelo é a imagem interior, a imagem anterior a qualquer linguagem. É a imagem essencial.  É ali que se deve olhar.

Quando Roth nega o sonho, nega a imagem.  A tela, então, é preenchida por uma sucessão de punições, em que pulsam os mais abjetos sentimentos humanos. O gesto predominante do filme não é, nunca, o da criação, tampouco o da destruição: é o da sujeira e da pichação, pura e simples. Abundam momentos em que o espaço é emporcalhado  – o café da manhã pós-sexo – e vandalizado  – as obras de arte e a casa da esposa traída – com o impulso animalesco que se vê em aberrações como a do Estado Islâmico. Sabemos muito bem no que resulta a incapacidade em enxergar a beleza, principalmente em relação às mulheres. O ódio faz com sistemas políticos as abominem, com que religiões as escondam. Roth, inebriado pelo desequilíbrio, o castigo e a raiva, subverte o que seria um conto moral – um homem feliz e casado não deve trair a esposa com duas ninfetas que tocam a campainha e pedem para tomar banho em sua casa no sábado à noite – em um jogo cínico de troca de empatia. Pobre Keanu, tomara que essas vadias morram, em substituição a doces vadias, esse Keanu é um safado.

Um sujeito que filma mulheres para não filmar mulheres, e sim, seres abstratos, formulados em sabe-se lá em qual camada da deep web, ou que ousa adentrar a escuridão do horror sem nunca ter fechado os olhos e sonhado, é alguém indubitavelmente pobre de espírito.  Que os filmes de Roth continuem mantendo acordados aqueles de igual valor moral. Todos os outros, que sonhem.

Wellington Sari

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