Ano VII

Rio – Dia 10

quarta-feira out 14, 2015

DIÁRIO DO FESTIVAL DO RIO

DIA 10 – DOMINGO – 11/10, Gilberto Silva Jr. 

Shots from "Mia Madre"

MIA MADRE, de (Itália / França, 2015)

Em O Quarto do Filho (2001), Nanni Moretti materializou um dos mais sensíveis relatos da dor que o cinema já pôde oferecer: o vazio gerado pela perda do filho, precoce e impossível de ser preenchido. Quatorze anos depois, o cineasta volta ao sentimento da perda, agora da mãe. A abordagem é diferente, como diferentes são os processos através dos quais essas perdas ocorrem e são absorvidas. Se a morte do filho paralisa e surge como um evento contrário às leis da natureza, a morte de uma mãe idosa compõe o fluxo natural da existência e assim deve ser encarada. Nosso dia-a-dia segue, apesar da dor e é dessa forma que Moretti situa a doença da mãe, à qual a cineasta Margherita reluta em se adaptar em meio à rotina de trabalho. Se, em princípio, tanto a protagonista quanto o filme parecem estar desorientados em meio a um excesso de sensações, é a partir da segunda metade, com a entrada em cena da filha adolescente, que surge a equalização de um tripé que equilibra os sentimentos e a continuidade da existência. Não há como negar que a importância em demasia dada à dramatização das filmagens e à relação com o problemático ator, vivido por John Turturro  – mesmo entendendo-se sua função dramatúrgica de contraponto – diluem em parte a questão principal de Mia Madre. Fica também claro um certo vazio deixado pelo pouco aprofundamento do personagem vivido pelo próprio Moretti. Em contrapartida, as sequências finais alcançam um poder de síntese arrasador, nos levando a considerar e repensar tudo que fora visto antes, deixando a evidência incontestável que Moretti segue sendo um cineasta que, mesmo quando não atinge sua plenitude, ainda possui o dom de nos tirar do chão.

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MARAVILHOSO BOCCACCIO (Maraviglioso Boccaccio), de Paolo e Vittorio Taviani (Itália / França, 2015)

Criadores de importantes momentos do cinema italiano até o início dos anos 1980, desde então os irmãos Taviani mergulharam eu uma série de filmes de época e adaptações literárias inexpressivas. A força da proposta de Cesar Deve Morrer (2012) trouxe novamente à dupla um pouco do prestígio passado. Agora os irmãos seguem com essa transposição do clássico medieval Decameron, de Giovanni Boccaccio, que já havia servido de matéria prima para um belo filme homônimo de Pier Paolo Pasolini (1971). Iconoclasta e transgressor, Pasolini se viu como um cineasta mais adequado ao material, impregnando seu filme com o devido espírito de liberdade, erotismo e picardia. Já os Taviani banham seu trabalho em um marcado classicismo, limitado a uma encenação vistosa e de competência artesanal. Um Decameron asséptico e (quase) assexuado que se situa ao lado de nulidades como Aconteceu na Primavera (1993) ou Afinidades Eletivas (1996), que condenaram Vittorio e Paolo à vala comum da irrelevância.

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APOCALIPSE YAKUZA (Gokudo Daisenso), de Takashi Miike (Japão, 2015)

Takashi Miike é um operário incansável que lança entre dois a três filmes no mesmo ano. Exercita-se por gêneros mais diversos e se dá ao direito de, vez por outra, criar filmes que se mostram uma completa chutação de balde. Apocalipse Yakuza é um destes trabalhos. Um filme que vai se construindo gradativamente, a partir de uma premissa que mistura a máfia japonesa com vampiros, à qual vão sendo aos poucos acrescentados os ingredientes mais estapafúrdios sem nenhum respeito por coerência, gramática cinematográfica ou bom gosto. Temos aqui esta fórmula levada ao paroxismo, numa proposta ainda mais radical que outros trabalhos do autor no gênero “piração total”, como A Cidade das Almas Perdidas (2000) ou Sukyiaki Western Django (2007). Quem embarcar terá lá seus momentos de diversão, mas uns bons 20 minutos a menos fariam muito bem ao filme. Só que essas são questões que dizem respeito ao público ou à crítica, com as quais Miike não parece estar minimamente preocupado.

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