Ano VII

Mapas para as Estrelas

terça-feira mar 24, 2015

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Mapas para as Estrelas (Maps to the Stars, 2014), de David Cronenberg

Parte considerável da produção cinematográfica americana funciona ao reforço do seio familiar. De dramas independentes às comédias escatológicas, há um constante cuidado à sua restruturação, algo que seria um resgate de um sadio ambiente familiar. Em seu primeiro trabalho nos Estados Unidos, é contra isto que David Cronenberg investe, mostrando sua implosão.

O título refere-se, de imediato, à rota a qual inúmeros turistas se submetem ao visitarem Los Angeles. Dentro de veículos, avistam supostos portões de celebridades de variadas cepas: repórteres televisivos, ex-participantes de reality shows, cantores populares, atletas famosos e astros já há muito esquecidos ou mortos.

Ao entrar num town car em sua chegada à cidade, Agatha Weiss (Mia Wasikowska) parece uma destas viajantes ou como o motorista que a conduzirá (Robert Pattinson), outra aspirante à fama.

Antes de sabermos sua verdadeira identidade, o roteiro de Bruce Wagner insere outros personagens, nenhum dos quais capaz de causar simpatia. É como se aquelas paisagens – há muito transformadas em cenários – carregassem consigo alguma energia contagiosa e hábil em destituir seus habitantes de quaisquer sentimentos além daqueles mais primitivos. Em outras palavras, estamos diante de caricaturas repulsivas, à beira do insuportável: Havana Segrand (Julianne Moore) é uma decadente atriz tentando desesperadamente fazer o remake de um filme cujo original foi protagonizado por sua própria mãe. Neurótica, conforta-se em sessões regulares com um mezzo massagista mezzo guru – completo picareta – interpretado por John Cusack. Ele é pai tanto de um ator mirim dependente químico (Evan Bird) quanto de Agatha, fugitiva desde que ateou fogo na casa em que moravam. Para fechar o círculo de tão sutil trama, ela torna-se a faz-tudo de Havana.

Seja por ter um transtorno mental previamente diagnosticado ou por ter passado uma longa temporada afastada daquele universo, Agatha permanecerá a pessoa pela qual pode-se crer em alguma forma de remissão. Com suas cicatrizes de queimadura pelo rosto e suas longas luvas pretas, ela é a única capaz de reconhecer (e reagir violentamente, por fim) a doença escamoteada por traz de toda aquela exterioridade asséptica. O incômodo que sua presença traz é por refletir, às claras, o que os outros escondem. Desfigurada e em algum estágio incerto de metamorfose, é ela a personagem que ligamos à filmografia de Cronenberg.  Ao novamente recusar a podridão ao seu redor, ela parte em busca de seu irmão. Estas ações (suas últimas) devem ser compreendidas como uma espécie de resgate, sendo talvez as únicas com alguma coerência – certamente as mais humanas que dali poderiam sair.

Mapas para as Estrelas, à maneira do infame passeio turístico, exibe superfícies, fachadas, e nisto sua decupagem é de uma exatidão extrema. Porém, isso também faz com que ele seja visto somente como sátira mordaz à indústria do entretenimento, quando sua verdadeira vidraça são nossas próprias vaidade e ambição. Porque esse é, sim, um ataque à vulgaridade hollywoodiana – jamais poderia ser à toa a constante aparição do famoso letreiro da cidade, ou as compras na Rodeo Drive e as fofocas no Chateau Marmont Hotel. Pelo contrário, tais locações estão manifestadas de modo patente. Entretanto, o que está em jogo é sobretudo uma demonstração do inferno que circunda nossos berços. É a ausência de sanidade, de toda sorte de sanidade, que está sendo exposta. Eis o sustentáculo de uma obra cujas forças maiores residem em apresentar, em altíssima definição, as doenças que nosso orgulho traveste em sonho.

As estrelas de Cronenberg são como vírus e sua Hollywood apenas o epicentro da epidemia; o espaço em que as vemos brilhar com maior intensidade.

Bruno Cursini

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