Ano VII

Livre

segunda-feira jan 12, 2015

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Livre (Wild, 2014), de Jean-Marc  Valleé

Está na figura de Reese Witherspoon o certificado de fracasso de Livre. O filme, que trata da redenção por meio do suor, da lágrima e do desnudamento dos apetrechos sociais e urbanos que se carregam no dia a dia, exige um determinado tipo de comprometimento da atriz a interpretar a protagonista.  Exige uma interpretação livre ou, para ficarmos na tradução fiel ao título original, selvagem.

Cheryl, a personagem de Witherspoon, resolve largar tudo e trilhar a Pacif Crest Trail, caminho que vai da fronteira dos EUA com o México à fronteira com o Canadá. Decidida a deixar os excessos da vida mundana – o vício em heroína, o poligamia, a franjinha e o batom – a jovem busca no contato com o solo a ligação com a vida. A vida de verdade, a vida primitiva e pura. Está tudo lá no primeiro plano do longa: Cheryl no alto da montanha, com o pé machucado, livra-se das botas e deixa o sangue juntar-se ao solo.  De imediato é possível notar o artificial na interpretação de Witherspoon. Embora não use maquiagem, tenha um corte de cabelo banal e vista-se de maneira totalmente funcional, os gritinhos de dor da atriz e as breves interjeições, intercaladas com frases lamuriosas, enquanto tira a bota e analisa o machucado no pé, são tudo, menos livres e selvagens.

Esbarra-se na regra, a do solilóquio – um personagem hollywoodiano não pode ficar em silêncio por muito tempo – e esbarra-se, também, na limitação: Reese, mesmo supostamente feia, não consegue deixar de ser a estrela interpretando a mulher comum.  A nudez é apenas parcial.

O próprio filme parece não acreditar na capacidade redentora da jornada. Em uma narrativa sobre sair de um ponto e chegar a outro, optar pela narração não linear parece ser uma estratégia puramente de concessão (ao público), para acrescentar dinamismo à caminhada.  Livre anda para frente e para trás, para frente e para trás, num passo trôpego e esquemático, como se a natureza por si só não bastasse e fosse preciso ter um roteiro de viagens na mão para apreciá-la. Na Natureza Selvagem, longa-metragem que serve de modelo para Livre, faz-se a mesma opção. No entanto, lá ainda há alguma tentativa de conferir à natureza algum misticismo, seja com Eddie Vadder soando como Dalai Lama no alto da montanha ou com a associação entre clima e estado de espírito do personagem. No longa de Jean-Marc Valleé a natureza é um animal em CGI, que aparece no último ato.

Outra imagem é ainda mais precisa como metáfora para a incongruência conceitual de Livre: a da mochila gigantesca de Cheryl, entupida de supérfluos, de objetos artificiais inúteis, que mais tarde, será reorganizada, mostrando que a mulher aprendeu algo com a viagem . O problema é que o filme em si nunca se livra do artificial.  A jornada através da natureza filmada por Valleé parece muito mais um passeio pela sessão de camping do hipermercado.

Wellington Sari

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