Ano VII

Ausência

quarta-feira out 29, 2014

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Ausência (2014) de Chico Teixeira

A Casa de Alice (2007), longa de estreia de Chico Teixeira, era notadamente um filme de exageros. Ao retratar o desmoronamento de uma família paulista de classe média baixa, o excessivo controle sobre um almejado retrato naturalista se sobrepujava ao peso dramático da maioria das situações. A notável influência do cinema dos irmãos Dardenne se dissolvia em técnicas de controle para se enquadrar da forma “mais natural possível” a rotina da família.

As explosões histéricas das personagens em alguns momentos cruciais e, principalmente, a escolha de um ponto de vista que parecia estar sempre a espreita do conflito mais evidente – da tensão que, apesar de represada, estaria “naturalmente” a beira de uma explosão – e por isso mesmo sempre relacionando os personagens da forma mais direta possível – um entrevendo o outro pelo ombro, pelos olhares escusos – revelavam um cinema apressado, que depositava todas as suas esperanças nesse extremo controle pragmático, a fim de se alcançar uma força dramática e cênica que se encontrava em pólo quase oposto à obtida de fato. Ausência, novo filme de Teixeira, concentra toda a força que o filme anterior apenas apontava, mas, ironicamente, dissolvia em seu extremo controle.

O filme se inicia com uma sequencia bem cruel que irá ressoar por todo o filme: acompanhamos um homem que está, com a ajuda de um carreto, retirando seus pertences de casa. Acompanhamos ela em toda a sua duração (sem o pragmatismo do efeito dramático supostamente revelador que imperava em A Casa de Alice): o homem percorre boa parte dos cômodos da casa, arruma sua mala e por fim decide levar consigo o botijão de gás. É a paciência por esse momento, por esse breve mas de fato revelador instante  – de uma crueldade, de uma dor, de uma lembrança, de uma incompreensão, sempre resultantes dessa ausência materializada na primeira sequência – que será a força motriz de Ausência.

A paciência na duração da cena é o que mantém todas as relações estabelecidas por Serginho (Matheus Fagundes) tensionadas em Ausência. Nunca há conforto ou complacência com a dura realidade vivenciada pelo garoto abandonado pelo pai, mas também nada mais distante de uma condenação impiedosa de uma “miserável existência humana”. Seja na relação com o Professor (Irandhir Santos) ou nos momentos vividos no circo junto com o irmão pequeno – instâncias que poderiam facilmente se configurar como escapes do cotidiano, promessas humanistas de uma nova vida – o que se tem é um olhar pouco condescendente, extremamente materialista, que na sua extrema atenção e paciência é capaz de captar momentos que desconstroem tudo o que supúnhamos saber sobre a dor e a trajetória enfrentadas por Serginho (a cena de Serginho e Professor na cama é o maior exemplo): o conhecimento e a experiência só se dão no enfrentamento com a matéria dramática.

Ao final de A Casa de Alice temos o olhar desolado, para o nada, da protagonista, evidenciando a impossibilidade de escapar tão fugidiamente de uma realidade, tal como ela imaginara. Em Ausência os planos noturnos da estrada – de certa forma o ponto de vista de Serginho – que encerram o filme, não surgem nem como uma promessa nem como uma visão desoladora do futuro. Podemos, finalmente, ao invés de meramente contemplar um olhar (final de A Casa de Alice) partilhar de um olhar, de uma dor, de uma aventura.

Guilherme Savioli

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