Ano VII

Casa Grande

quinta-feira out 23, 2014

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Casa Grande (2014), de Fellipe Barbosa

Em tempos de maniqueísmo político flagrante, em que criticar a Dilma é sinal de filiação ao tucanato e criticar o Aécio é ser petralha, já era de se esperar que o cinema passasse a sofrer do mesmo mal. (Nota do editor: escrevi a primeira versão deste texto em julho, na época da exibição do filme em Paulínia – triste ver que a situação só piorou).

Se 16060, de Vinícius Mainardi, era a versão Reinaldo Azevedo da luta de classes no cinema brasileiro, este Casa Grande, de Fellipe Barbosa, já a partir do nome denunciativo, é a versão Leonardo Sakamoto.

Estamos no terreno da pregação para convertidos, onde a classe média com crise de consciência passa suas horas livres defenestrando a própria classe nas redes sociais, enquanto o problema todo, muito mais complexo, vai crescendo e nos absorvendo. A fraqueza da estratégia de Sakamotos e afins fortalece a direita (que também é limitada na postura caricatural, mas nem tanto). A automatização de um discurso que não dá direito a nuances e questionamentos afunda as possibilidades políticas de um país já engessado (pela herança militar e pela força das grandes corporações – e me perdoem por ter sido contagiado pelo discurso automático).

Um exemplo óbvio, no filme: a discussão sobre o sistema de cotas. Cada lado fala exatamente um amontoado de clichês repetidos ao longo dos anos. Obviamente é proposital, e obviamente é a menina, namoradinha do playboy, que está coberta de razão. Mas é a típica fala de roteiro. O filme abandona o linguajar dos jovens para fazer pregação, e das mais automáticas. Estamos também no terreno da ironia, tão em voga desde que Antonio Prata e Gregório Duvivier começaram textos semelhantes, em espírito e pobreza, e desde que o Diário do Centro do Mundo, veículo digno de um campus estudantil com hippies ricos, começou lamentavelmente a ser levado a sério.

É com essa pregação para convertidos que a esquerda se enfraquece, abrindo espaço para o fascismo e as máfias corporativas, e para políticos que se dizem de esquerda mas beijam a mão dos caciques da direita. São estes últimos, afinal, que sempre mandaram e continuarão mandando, mude o que mudar. E é com pregação para convertidos que nos afastamos da possibilidade de se fazer verdadeira arte. Casa Grande reverbera esse problema, ainda que as cenas de família no início levem a algo mais sutil e interessante.

No plano estético, uma vez que o filme ambiciona algo maior nesse sentido, há, certamente, alguns acertos. Mas há também sérios tropeços. De posições de câmera que não valorizam o drama encenado, como na cena do trote-sequestro: que diabos a câmera faz ali, enquadrando apenas a menina, enquanto o drama dos pais era mais forte? Foi opção do diretor? Possivelmente. Foi o momento, segundo ele, de dar atenção àquela personagem negligenciada até então dentro do filme. Assim como foram deliberados, suponho, os cortes que impõem elipses estranhas, que funcionam como cautelosos recuos diante de possibilidades melodramáticas mais fortes. Mas o que interessa se foram deliberados? Não fazem girar o moinho.

Sérgio Alpendre

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