Ano VII

Au Fil d’Ariane

terça-feira out 21, 2014

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Au Fil d’Ariane (2014), de Robert Guédiguian

Deixando a segundo plano suas preocupações sociais (mas jamais as abandonando), Robert Guédiguian faz, aqui, o que os créditos iniciais chamam de “fantasia”. No caso, os devaneios serão aqueles de Ariane (Ariane Ascaride), uma senhora por volta de seus sessenta anos que encontra-se só, fazendo os preparativos para a comemoração de seu aniversário. À porta, apenas flores; na secretária-eletrônica, marido e filhos justificam suas ausências. Entristecida, pega seu carro e sai sem rumo, e o que segue, em Au Fil d’Ariane, são suas pequenas aventuras ao redor de personagens ligeiramente bizarros colocados frente a um pano de fundo invariavelmente belo e solar: os portos da adorada Marselha do cineasta francês.

Além de atores e cenários familiares àqueles habituados com a filmografia de Guédiguian, vemos, novamente, seu olhar carinhoso e sua precisão estética para retratar personagens que, de fato, lidam com problemas maiores do que a leveza de sua condução pode fazer crer, compondo um grupo heterógeno de pessoas solitárias e deslocadas: um africano que, após trabalhar como vigilante no museu de história natural por trinta anos, encontra-se atormentado pelo destino dos animais com os quais conviveu por tanto tempo; um jovem apaixonado por uma belíssima e bem-resolvida prostituta; um idoso solitário que inventa uma nacionalidade americana; e mesmo uma tartaruga falante que até o momento não tinha com quem conversar.

Neste tom claramente onírico – desde o primeiro momento desta fuga da realidade, no qual Ariane chega a uma ponte e as pessoas deixam seus carros para dançar na rua –, Guédiguian faz uma ode à simplicidade e às pessoas que nos cercam, não obstante seus problemas ou as dificuldades cotidianas e, de fato, talvez venha daí o gosto algo agridoce que permeia o filme, como se esta turma fosse formada por resistentes de um modo de vida à beira da extinção, numa cidade atualmente carente de identidade. Visto assim, o agradabilíssimo bistrô onde boa parte do enredo se dá, sintomaticamente chamado “Café l’Olympique”, seria como um salutar quartel-general, através do qual pequenas expedições afetuosas são arquitetadas de modo a resguardar singelas alegrias pessoais e, consequentemente, comunitárias.

Bruno Cursini

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