Ano VII

Ana Ana

quinta-feira out 16, 2014

Ana-Ana[1]

Ana Ana (Ana Ana/I’m me, 2013), de Petr Lom e Corinne van Egeraat

Está claro que o que mais interessa a esse documentário é dar o direito e os meios de expressão para quem se se vê diariamente privado deles. Fala-se aqui das mulheres no Egito e das contradições do contexto político posterior à revolução de 2011. Chega-se a um diagnóstico nada agradável: que a condição da mulher não está efetivamente na pauta.

Mais do que comprovar uma situação assustadora, importa ao filme nos dar a possibilidade de conhecer quatro jovens mulheres, suas histórias, desejos e a anseios, acessar o que se passa em suas almas. Em Ana Ana as personagens são mais que exemplos para ilustrar uma multidão sem face. Ainda que, evidentemente, elas representem um contexto geral de opressão, não se perde de vista suas histórias particulares e uma vontade de reagir, responder. Existir.

Nesse desejo em ouvi-las acima de tudo reside tanto a força e a fraqueza do filme do tcheco Petr Lom e da holandesa Corinne van Egeraat. Além da entrevista talking head, por meio da qual as quatro mulheres tentam elaborar, para a câmera, um sentimento de identidade e responder à indagação “quem sou eu”, a dupla de diretores “entrega” o ato de filmar a elas. O mundo que vimos, as ruas de Cairo, os espaços e pessoas por vezes são vistos pelos olhos delas.

Quando dá certo – especialmente nos momentos em que essas mulheres fazem autorretratos ou se filmam enquanto executam alguma atividade artística –, o que fica é um gesto político de deixar uma marca, suas impressões digitais naqueles lugares que as colocam como invisíveis (ou que restringem seus papeis). Quando não funciona, restam imagens que podem até ter alguma beleza, mas não chegam a constituir um olhar de cinema. A mesma debilidade que atingiu partes de Pacific (2010), de Marcelo Pedroso.

Há outro exercício de distanciamento ao lidar com Ana Ana: alienar-se, como espectador brasileiro, do machismo daqui, da opressão da mulher daqui, olhando para a situação do Egito como se ela não estabelecesse diálogo algum com o que se passa aqui – observação que o comediante Stephen Colbert fez num de seus programas em relação a uma jornalista americana, que especulava o quão difícil era ser mulher em sociedades conservadoras do Oriente Médio, mas que aceitou calada um comentário machista minutos depois ao seu lado, ao vivo, vindo de um colega jornalista.

Porque essa é uma postura deveras cômoda: olha-se para o problema do outro de forma a se ignorar os que nos são próximos. Como apontou em 2008 a diretora Carla Gallo ao intitular seu filme de O aborto dos outros – não o nosso, mas o “dos outros”.

 Heitor Augusto

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