Ano VII

Sinfonia da Necrópole

sexta-feira jul 25, 2014

Sinfonia da Necrópole (2014), de Juliana Rojas

Visto em meu primeiro dia de 6º Festival de Paulínia, um dia em que vi três longas brasileiros ao todo, Sinfonia da Necrópole, de Juliana Rojas, deixa os outros comendo poeira. Longe de ser um grande filme, e apesar de seus problemas, coloca o festival em outro patamar.

Juliana Rojas está na ponta de lança de uma possível renovação do cinema paulista. Com Caetano Gotardo, Marco Dutra, Paolo Gregori, Marcelo Toledo, Rubens Rewald, Paulo Sacramento e mais um ou outro nome que posso ter esquecido. Ainda não chegaram lá. Mas ao menos se arriscam, tentam coisas diferentes, não têm medo do ridículo. É um caminho abortado por estas plagas desde que a geração dos anos 80 passou para seus complicados longas, sendo abortada logo depois com o governo Collor. Mas essa é uma outra história.

O que Rojas poderia ter feito em Sinfonia da Necrópole, caso conseguisse driblar alguns obstáculos impostos pela própria ideia que imaginou, é uma genealogia dos gêneros. Tem de tudo em seu filme: comédia de erros, comédia romântica, terror (logo substituído pelo terrir), musical e até policial, na maneira como os funcionários do cemitério agem e reagem uns aos outros. Se ela e equipe não atingem esse potencial, é porque se arriscam sem ter ainda conquistado uma posição que permite o voo cego e o salto no abismo. Daí que temos músicas fracas se alternando com algumas mais interessantes, cenas em que a direção não dá conta do humor insólito que se anuncia, momentos que parecem se prolongar sem muita justificativa a não ser como uma continuação da grande festa do cinema – refiro-me à cena do karaokê, cujo desfecho aponta para um trauma (que é melhor não adiantar aqui), mas vem depois de alguma enrolação que incorpora parceiros e amigos. Frutos de uma juventude ainda tateante de um país que perdeu sua tradição cinematográfica em algum buraco de onde saíram editais e festivais aos borbotões.

O filme é também uma história de amor fracassado. O amor de Deodato por Jaqueline. Ele, rapaz tímido e sensível, que desmaia quando vê mortos, vai trabalhar justamente como aprendiz de coveiro, num comentário enviesado de como todos nós estamos deslocados morando em São Paulo (ou em uma metrópole qualquer). Ela é uma especialista em otimizar espaços para novos mortos. Anda de cemitério em cemitério com a fleuma de quem não erra, nem hesita (a atriz Luciana Paes está muito bem nesse papel, assim como Eduardo Gomes, que faz Deodato). Ele se apaixona por ela, mas só tem sucesso quando a embebeda, deixando-a mais suscetível ao charme de uma letra de amor cantada mal e porcamente, mas com raça.

Comentários interessantes sobre o viver em São Paulo, a correria, a loucura dos dias e o mercado de trabalho coroam a trama que, salvo pelos celulares e pela breguice do karaokê, poderia representar uma outra época, aspecto ressaltado por velhos objetos e veículos em cena.

O humor é peculiar. O chefe do cemitério é um caso e tanto, com seu sotaque espanhol e suas tiradas inesperadas – "malditos góticos". Mas o humor também está na maneira como são reproduzidas situações do ambiente policial, evidente na cena em que Jaqueline nos é apresentada e em várias cenas com ela e/ou Deodato e o chefe.

O que diminui o filme é o modo como a parte musical invade a narrativa. Com a exceção do número com os zumbis, abertura ao mais patético e desvergonhado terrir, e também uma homenagem ao clipe de "Thriller", do Michael Jackson (com direção de John Landis), as músicas surgem como uma pausa forçada, um momento de quebra que raramente contribui para a construção do filme. Pelo contrário: sabota. Construção por camadas, sensibilidades que se sucedem mapeando o ambiente de trabalho e a estranheza de tudo que vemos. Os números musicais entram como piscadelas, momentos líricos que se debatem com a observação do mundo sem engrandecê-la (como os momentos mais insanos de A Morte de um Burocrata engrandecem a crítica de Alea à sociedade paralisada por cartórios e papeis). Foi-se mais uma chance de se fazer algo realmente contundente. Mas o caminho se confirma, e é interessante acompanhá-los nesse trajeto.

Sérgio Alpendre

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