Ano VII

Vive L’Amour

quarta-feira mai 21, 2014

Vive L'Amour (Ai Qing Wan Sui, 1994), de Tsai Ming-liang

Com este segundo longa, Tsai Ming Liang estabelece de vez seu estilo contemplativo e silencioso, de humor peculiar e melancolia profunda. Num apartamento à venda encontram-se três pessoas. A corretora de imóveis encarregada de vendê-lo, seu amante ocasional e o jovem Hsiao-Kang (Lee Kang Sheng), que de rebelde quieto em Rebeldes do Deus Neon evoluiu para um jovem desesperançado (que chega a tentar o suicídio dentro do apartamento vazio, mas é frustrado pela curiosidade com a chegada do casal).

Em Vive L'Amour fica clara a influência do cinema italiano dos anos 60. Tsai já foi chamado diversas vezes de "o novo Antonioni", ainda que muitos o consideram, com certa razão, um herdeiro direto de Robert Bresson. Como na trilogia da incomunicabilidade do mestre italiano (A Aventura, A Noite, O Eclipse), Tsai envolve o espectador na teia de desencanto de seus personagens, questionando a ordem burguesa por meio das coisas que espirram para fora dela. O que espirra para fora de uma juventude que mora em Taipei é, ao menos do lado da jovem corretora, a impossibilidade de se sentir plenamente amada, de dar vazão ao amor acumulado em suas entranhas, de entender o fenômeno capitalista e conciliá-lo com sua intensidade sentimental. Seu choro final, jorro necessário para liberar a energia represada, está num plano longo (6 minutos) que vai reverberar, vinte anos mais tarde, no final de Cães Errantes (plano de 13 minutos). É algo que quem viu jamais esquece. Um dos momentos que nos fazem prender a respiração, com um misto de sentimentos despertados também internamente nos filmes de Tsai: angústia, medo, tensão, compaixão, aflição. A duração é o segredo. O plano deve ser longo para que o choro provoque os sentimentos. Não é fetiche, é necessidade dramatúrgica. O essencial em Tsai é que a emoção, em seus filmes, se esvai naturalmente, como na vida real, não por exigência de alguma fórmula comercial. Ela precisa atingir o ápice para depois encontrar o arrefecimento.

Com Hsiao-Kang é um pouco mais difícil precisar o que espirra. O personagem é impenetrável, um mistério ambulante. Sua infantilidade o salva de um sofrimento ainda maior, mas o peso da vida não o deixa, daí a tentativa do suicídio, como também a falta de coragem para ir fundo no ato, no corte do pulso. A evolução de Hsaio-Kang mostra-se, em retrospecto, coerente porque o personagem está em divórcio permanente com seu entorno. O cara errado em tempo e lugar errados.

Por fim, é de diretores como Dino Risi, Mario Monicelli, Elio Petri e Pietro Germi que Tsai extrai o binômio que muitas vezes resume nossas vidas: esperança e decepção. Desses dois elementos se desprendem, muitas vezes ao mesmo tempo, a alegria, o humor insólito, o burlesco, como também a melancolia, o desespero e a tragédia (ou sua proximidade). Poucas vezes Tsai atingiu tão alto quanto neste filme, e, quando o fez, foi orquestrando habilidosamente todos esses elementos.

Sérgio Alpendre

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