Ano VII

O Buraco

quarta-feira mai 21, 2014

O Buraco (Dong, 1998), de Tsai Ming-liang

Taipei. Chuva incessante. Dois solitários num prédio em quarentena. Uma epidemia: as pessoas agem como baratas. Infiltração de água no apartamento do solitário provoca destruição no apartamento de baixo, da solitária. Isolamento, água, melancolia, desespero e humor. Todos os ingredientes que marcaram a obra de Tsai Ming Liang. Mas sete dias antes da virada do milênio, há uma esperança de encontro. Os solitários podem, finalmente, se unir numa dança para a eternidade. Mas O Buraco é construído sob o desejo de utopia, e para reforçar isso fragmentos de um musical à moda antiga invadem o drama por vezes. São ruídos, e alívios ao mesmo tempo. Representam o pouco de esperança que pode salvar esses perdidos nas longas noites de chuva. É o dilúvio que vem para purificar a terra. Nesse espaço condenado pela epidemia, só se salvam aqueles que formarem um casal, necessário para prolongar a existência humana.

Desta vez, Lee Kang-Sheng, o ator fetiche de Tsai não interpreta Hsiao-Kang, como nos longas anteriores, mas um vizinho sem nome do andar de cima. O ator que fazia seu pai em Rebeldes do Deus Neon e O Rio agora é um vizinho que perambula pelo condomínio, possível cliente da pequena quitanda do protagonista, quitanda que abre para ninguém, apenas para justificar sua existência. As características desse protagonista são as mesmas de Hsiao-Kang. É sabido que são as mesmas características de Lee Kang-Sheng também, talvez calculadamente da parte dele, para provocar o eco entre personagem e ator na vida real.

Mas por que Tsai abandonaria Hsiao-Kang? Teria o personagem-símbolo de sua obra um fim definitivo, com o último plano de O Rio mostrando-o sem saída com o problema no pescoço? Sabemos que não, já que ele voltaria depois para outros filmes. Seria uma espécie de parêntesis, uma vez que, ao contrário dos longas anteriores, O Buraco foi feito sob encomenda para o projeto 2000 Visto Por… O que não quer dizer, aliás, que este filme seja menos pessoal. Pelo contrário. É o filme que melhor desenvolve as preocupações estéticas e lúdicas de seu diretor, além de apontar um caminho ligeiramente diferente a seguir, algo que viria a se confirmar em filmes seguintes, notadamente em Adeus Dragon Inn e O Sabor da Melancia. O Buraco funciona então como o término lógico de uma fase em que a desesperança se anuncia com força e o início de outra, em que tudo que o cerca é negativo, sem saída, ainda mais desesperançado. O lado musical é forte, mas serve para retomarmos o fôlego e enfrentar toda a melancolia que virá a seguir.

Sérgio Alpendre

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