Ano VII

Tudo por um Furo

sexta-feira mar 14, 2014

Tudo por um Furo (Anchorman 2: The Legend Continues, 2013), de Adam McKay

Esqueçamos o título nacional para o novo Âncora, fruto de uma tentativa de desvincular o filme do fracasso comercial do original em nosso território. Isso de fato é um reflexo do tipo de humor e abordagem que existe nessa epopeia de humor concebida por McKay e Will Ferrel, aos mesmos moldes que também foram Ricky Bobby – A Toda Velocidade e O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy. A paródia é de referências que fogem demais ao conhecimento do público brasileiro, e fala de algo tipicamente americano. Algo que descrever parece pouco, é preciso de fato se emaranhar, como fazem aqui os comediantes. É preciso estar sujo do melhor e do pior do que é o american way, para de lá sair com uma paródia que ama seus detalhes, as grosserias, as facilidades, o auto-centrismo que os rege, mas também ter o tamanho do discernimento para pisotear por dentro.

A evolução de Ron Burgundy, nosso astro maior, é dada em tom de épico. Se o primeiro filme já possuía algo de lendário, como diz o título, neste se assume o tom épico e de trajetória grandiosa desde o início. É um filme longo, extremamente incomum para um tipo de comédia ‘pastelão’, que nunca para. O tempo aqui é o grande desafio, e o filme lança essa questão. Como uma turbina, ela é rápida, lançando piadas sobre cultura americana indiscriminadamente. Partindo do princípio de que seus protagonistas já são conhecidos, não há nada que pare pra estabelecê-los com calma. O astro-maior, Burgundy, desfila em cena, repetindo alguns tiques do original: o cabelo, os bordões, sua flauta mágica.

O tom épico talvez seja o maior acerto do filme, que consegue justificar sua longa duração. McKay é um brilhante encenador de comédia física. Ferrel ainda é o melhor americano gordo para rir de si mesmo com amor próprio. Mas é nos coadjuvantes que continuam surgindo os melhores momentos. Paul Rudd, sempre brilhante, retoma Brian Fantana da forma que deixou na década anterior, e tem talvez a melhor cena, apresentando as camisinhas especiais a Brick. Steve Carrell manteve-se no mesmo tom, mesmo tendo se tornado entre o primeiro e o segundo filme um astro muito maior na indústria. As cenas em que se esconde atrás do sofá são clássicas. Greg Kinnear entra em cena de forma genial, como um poderoso psiquiatra. David Koechner, o Champ, segue sendo um nojo, vendendo agora morcegos como frangos do KFC. Personagens geniais, até mesmo as piadas com o tipo de notícia que passou a dar o tom das manchetes no mundo atual são ótimas, com Burgundy narrando por horas uma perseguição de carro, os gráficos tomando a tela, as matérias edificantes que dominam o jornalismo americano e mundial.

Claro, há o tubarão – um animal de estimação? – e o duelo das equipes de noticiário retorna com mais surpresas. A melhor de todas, certamente, a equipe feminina, o surgimento da MTV (com Kanye West!), Jim Carrey como o âncora canadense, e Burgundy dizendo, basicamente, que as equipes de noticiário viraram uma praga. Mas a grande piada é a arma do futuro que surge repentinamente com Brick, e o Minotauro como parte da equipe do The History Channel. Como sempre, cabe a ressalva – se o humor sujo e americano não te interessam, não veja jamais um filme assinado por McKay e Ferrel. A quem ama a América, há um filme e tanto.

Guilherme Martins

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