Ano VII

Melhores filmes de 2013

terça-feira jan 21, 2014

 

1. O Estranho Caso de Angélica, de Manoel de Oliveira

2. Vocês Ainda Não Viram Nada, de Alain Resnais

3. A Bela Que Dorme, de Marco Bellocchio 

4. Educação Sentimental, de Júlio Bressane

     Tabu, de Miguel Gomes

6. Crazy Horse, de Frederick Wiseman

     O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho

8. O Mestre, de Paul Thomas Anderson

9. Killer Joe, de William Friedkin

     Um Estranho no Lago, de Alain Guiraudie

 

1. O ESTRANHO CASO DE ANGÉLICA

Um filme de 2010 ganhou nosso top de melhores filmes de 2013. E o top em questão entra no ar enquanto está em cartaz o filme seguinte do mesmo diretor. Difícil saber qual é o melhor, e não precisa. Se O Gebo e a Sombra mostra Manoel de Oliveira dominando o digital como nunca havíamos visto (mostrando também que para dominar uma nova técnica é preciso, inicialmente, saber como essa nova técnica se diferencia da técnica anterior), O Estranho Caso de Angélica é, na narrativa, uma espécie de réquiem cinematográfico, pois o fotógrafo (analógico) é levado por uma fantasma. Sua arte já está num beco sem saída. Os trabalhadores que ele capta com sua câmera antiga parecem de outra época, outra dimensão… Pumba!

Se há um papel talhado para marcar Ricardo Trêpa nos anais do cinema, é o deste fotógrafo. Já nos acostumamos com seu rosto, a enganosa parca expressividade que Oliveira usa tão bem, sua entonação de criança em corpo de adulto. Mesmo assim, os momentos em que ele está semi-catatônico na pensão impressionam. O gato da dona da pensão é muito mais esperto, tanto em relação à possível janta (o passarinho na gaiola) quanto em relação ao perigo que vem de fora (o cachorro que late). O fotógrafo sucumbe aos fantasmas produzidos por sua câmera mecânica. Vai à outra dimensão, a dimensão de Georges Meliès.

Sérgio Alpendre

Crítica

2. VOCÊS AINDA NÃO VIRAM NADA

Alain Resnais me proporcionou uma das experiências mais encantadoras de 2013: testemunhar um filme altamente elaborado em seus labirintos e desejos metalinguísticos e, ao mesmo tempo, me emocionar, capturando o meu amor a despeito do enredo já conhecido até de trás para frente – o mito do amor entre Orfeu e Eurídice. Chorei na revisão de Vocês Ainda Não Viram Nada.

Estar fora e dentro de um filme, é isso que Resnais fez comigo. Ora eu saia da imersão só para observar a estrutura – quem é de fato o espectador num filme sobre a representação? Quem é o criador num filme que começa no céu e desce à Terra?; ora me deixava contaminar e ser levado pela palheta de emoções que percorrem os corpos de Pierre Arditi/Sabine Azéma, Lambert Wilson/Anne Consigny. Atores que emprestam seus corpos para modulações distintas da mesma coisa: o encontro da morte como a possibilidade de redenção de um amor.

Uma encenação dentro de outras duas. Cinema dentro do teatro dentro do cinema. Esse é o presente que Resnais me deu com Vocês Ainda Não Viram Nada.

Heitor Augusto

Crítica

3. A BELA QUE DORME

Religião, família, política. Por trás desse tripé, Marco Bellocchio entende e nos mostra a Itália de ontem e de hoje. E o faz por meio de um painel poderosíssimo que comporta angústia, desespero, desprezo, redenção, amor e mais uma gama de sentimentos não menos sensíveis. Seus filmes geralmente são respostas contundentes a discussões que envolvem esse tripé, como o brilhante Vincere (2009). A Bela Que Dorme, de outro modo, está menos interessado em dar respostas do que em explorar questões: o destino do país, de seus políticos e de sua população, como também o sentido da vida e o peso do Vaticano. Não é um filme perfeito como A Hora da Religião (2002), mas comprova a ótima fase do cineasta italiano mais importante em atividade.

Em entrevistas, Bellocchio endossa a ideia de que a bela adormecida do título na verdade é a própria Itália, paralisada por suas tradições. É possível. A Itália de Berlusconi tem sido atacada por cineastas de esquerda como ele e Nanni Moretti. Agora que Berlusconi não é mais o todo poderoso, o que resta? Qual o legado que ele deixou? Bellocchio mostra personagens desiludidos e fala do direito que toda pessoa tem de querer morrer. Mas acredita no despertar. É o que fica claro na última cena.

Sérgio Alpendre

Crítica

4. EDUCAÇÃO SENTIMENTAL

Em seu texto Jean-Marie Straub, a Crônica de Anna Magdalena Bach, Bressane confessa: “Eu amo o cinema de Jean-Marie Straub”. Educação Sentimental é um dos filmes de Bressane que mais se aproxima do cinema de Straub-Huillet. Aqui, tal como nos filmes do casal francês, um sentimento violento de resistência se projeta sobre a tela.

Em determinado momento das aulas que Áurea ministra a Áureo, a professora afirma que a tirania da economia política empedrou os corações dos homens, e que hoje em dia o obsceno é ser sensível. Educação Sentimental nos expõe à toda essa sensibilidade “obscena”, e isso é violentamente rebelde.

Em determinada cena, Áurea busca um rolo de película e o passa diante da câmera, restituindo o movimento às imagens ali gravadas – película, ensina ela a Áureo, este objeto que em breve se encontrará no museu das sensibilidades perdidas. De certa forma, uma metáfora da própria condição do filme em questão, uma vez que são poucas as obras que ainda conectam nossa existência ao mundo de uma forma tão abrangente e intensa (o cinema como algo que atravessa todas as outras áreas, como o próprio diretor gosta de afirmar).

Educação Sentimental confirma, mais uma vez, o que Jairo Ferreira já havia sentenciado: “Cinema de Júlio Bressane: cinema superior. Batuque dos deuses…Batuque dos astros”.

Guilherme Savioli

Crítica

4. TABU

Tabu é uma nova janela que se abre numa das carreiras mais interessantes do cinema contemporâneo, a do português Miguel Gomes. Se originalidade e liberdade são palavras coerentes para descrever seus filmes até Aquele Querido Mês de Agosto, para Tabu seria necessário acrescentar outras ao vocabulário: amadurecimento e solidez.

Gomes fez, com Tabu, vários filmes em um: crítica ao colonialismo tardio português, assunto que retoma seu curta Trinta e Um (2002); criação de pontes com o tecido da história do cinema ao se reportar ao Tabu de Murnau; uma encantadora história de amor proibido ambientada num cenário idílico (a custo de sangue e dominação de um povo); narrativa sobre o incontornável sentimento de melancolia de um passado irrecuperável; comentário sobre o próprio ato de ver um filme e a tentativa de recuperar olhos livres na experiência cinematográfica.

Essa possibilidade de ver um filme diferente a cada revisão, ao lado do prazer de enxergar esse filme como um desfecho coerente a uma gama de assuntos que abre possibilidades para as próximas realizações de Gomes, faz de Tabu o melhor do ano para mim.

Heitor Augusto

Crítica
 
 
6. CRAZY HORSE 

Qual o limite para o corpo se tornar apenas representação? Existe esse limite ou a representação pode ser contínua e ilimitada? As questões surgem a cada novo plano deste filme do veterano Frederick Wiseman. Apesar de um cinema caracterizado pela observação aparentemente objetiva (o que é, por essência, falso – e daí a força magnética de sua obra), Wiseman, aqui, intervém mais abertamente. Filma depoimentos, posta a câmera diante de ensaios das dançarinas, acompanha testes, permite que suas imagens sejam invadidas por cores e figurinos extravagantes, modifica o funcionamento do espaço. É como se o cabaré Crazy Horse filmado por Wiseman existisse apenas em seu filme. Não vemos, afinal, aquele mítico lugar tal como ele é. O que vemos está artificiosamente filtrado, e não apenas pela visão do diretor: é filtrado também pelos próprios documentados, por aqueles corpos de beleza quase inventada, pelo carisma do coletivo de um grupo de garotas que jamais se individualizam na tela. Temos aqui um filme no qual, ao termos o protagonista já apresentado no título como um espaço geográfico, em momento algum se permitirá desviar de seu objetivo. Crazy Horse é, ao mesmo tempo, um retrato de algo que não existe, porém passa a existir naquelas duas horas de projeção, e a reflexão de um artista sobre as possibilidades de filmar o movimento humano e todas as cores e luzes do mundo.

Marcelo Miranda

 
Crítica
 
 
6. O SOM AO REDOR
 
O Som ao Redor foi, de longe, o filme brasileiro mais discutido de 2013. Na verdade, antes mesmo de sua estreia, qualquer pessoa minimamente interessada em cinema sabia que assim o seria, levando em conta o barulho que fez nos vários festivais pelos quais passou e, também, o fato de termos a estreia em longa-metragem de nosso maior curta-metragista, Kleber Mendonça Filho.

Falar sobre o filme agora, por ocasião desta retrospectiva (mas também devido a seu lançamento em DVD e Blu-Ray), é repetir trivialidades, fazendo eco aos elogios seja sobre a capacidade observacional do cineasta, seja pela maneira através da qual ele atualiza a cruel ordem da sociedade patriarcal de Pernambuco – do Brasil, enfim – de hoje ou, mais importante, por sua inegável capacidade narrativa e consequente manipulação emotiva (e intelectual) do espectador.

Contudo, é apenas daqui em diante que poderemos olhar O Som ao Redor de uma maneira menos festiva e, se por vezes sua sardônica crítica à classe média brasileira soa por demais repetitiva (ainda que certeira), a obra que a envolve permanece de um talento inequívoco. É disso que tratamos aqui – e não do cinema como plataforma a dissertações sociológicas.

Bruno Cursini

Crítica 1
Crítica 2 
 
 
8. O Mestre 
 
P. T. Anderson está na pós-produção de Vício Inerente, adaptação do romance cômico de Thomas Pynchon. O Mestre também é uma comédia e, se forçarmos só um pouco a barra, podemos chamá-la de pynchoniana, mas não à maneira de, por exemplo, O Grande Lebowski (praticamente uma variação de Vineland). Se Pynchon é famoso por justapor alta cultura àquelas encontradas nos versos de caixas de Sucrilhos, também o deveria ser por expor um universo de resíduos humanos, com personagens que, a despeito de seus desatinos, podem nos despertar compaixão (Épida Maas, Mason e Dixon etc.). Em O Mestre, o cinema americano dito de prestígio dialoga com o pastelão e o trio central nada mais é senão vítima de um comportamento padronizado por algo que é desconhecido – ao final, não podemos dizer que algum deles tenha passado por qualquer mudança significativa.         

Vício Inerente, o romance, fora influenciado por Raymond Chandler, autor de O Longo Adeus, mais tarde adaptado por Robert Altman. Se a fonte de PTA continua a mesma, que seus dias de emulação à Short Cuts tenham, de vez, passado e que logo ele consiga levar às telas O Arco-Íris da Gravidade. Mesmo que seja só o episódio de “Byron, a Lâmpada”. Valerá mais do que a chuva de um milhão de sapos.

Bruno Cursini

Crítica
 
 
9. Killer Joe
 
O reencontro de William Friedkin com o dramaturgo e roteirista Tracy Letts, cinco anos depois da primeira parceria em Possuídos (Bug), reforça a química entre ambos e a confirmação de novos rumos para o lendário realizador. Protagonizado por um Matthew McConaughey dominado por alguma entidade demoníaca, o filme é um autêntico teatro da crueldade, no qual o interior do Texas se torna palco de uma completa e nada cínica degradação humana. De narrativa límpida e agressivamente objetiva – e, por isso mesmo, perturbadora –, Killer Joe leva ao paroxismo as características de cada personagem, fazendo de todos eles meros joguetes às manipulações do protagonista. Trata-se de um conto moral deturpador da ideia de fábula: há a princesa, o lobo mau, o príncipe encantado, a rainha má, porém todos estão como que vistos do avesso, acompanhados por uma câmera que olha de frente, sem se desviar do grotesco a que a própria linguagem se propõe. Friedkin sempre foi um cineasta da estirpe mais selvagem da Hollywood dos anos 1970 e pagou caro por isso, ao fracassar comercialmente em alguns de seus trabalhos mais ousados, como Comboio do Medo e Parceiros da Noite. Em Killer Joe, temos outro de seus filmes agressivos, incorretos, sujos – e, por paradoxal que seja, um filme encantador, à maneira de Friedkin.

Marcelo Miranda

Crítica
 
 
9. Um Estranho no Lago

 

O último filme de Guiraudie acabou ganhando um apelido carinhoso no Brasil, por conta da graça de Inácio Araújo em um post de seu finado blog. "Pirocas ao Vento" seria um título que distribuidora alguma ousaria colocar. Mas em certo gueto de cinefilia, pegou, talvez porque pirocas é uma gíria um tanto antiga, dos anos 80, se não me engano. Remonta a um tempo em que politicamente correto era apenas ser a favor das eleições diretas. Contudo, esse título dá uma impressão de que as pirocas estão descoladas de seus donos, estão literalmente ao vento. Não é bem isso o que Guiraudie entrega com suas imagens. O fato é que este é o mais forte dos filmes de Guiraudie, tanto na temática (desejo e perigo atrelados aos impulsos da carne) quanto na forma (mais rigorosa do que em seus outros filmes). Guiraudie estabelece na pequena praia uma geografia precisa, assimilável já no primeiro plano do ponto de vista de alguém que nada no meio do lago. Os olhares, as paqueras e os ciúmes são tão fortes que não há necessidade de reforçá-los por contracampos  ou aproximações de câmera. Os olhares estão presentes, forçando sua bela melodia no ritmo da água que cintila calmamente, ou no ritmo dos corpos nus que transitam livremente pela areia.

Sérgio Alpendre

Crítica
 
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