Ano VII

suicidado pela sociedade

terça-feira dez 17, 2013

Fassbinder: suicidado pela sociedade?

Por Cesar Zamberlan

Van Gogh, Suicidado pela Sociedade, de Antonin Artaud, era o livro preferido de Fassbinder. Artaud, neste pequeno livro de 1947 acusa a sociedade e os psiquiatras de terem matado Van Gogh – e talvez, e, de certa forma, o matavam também, pois o dramaturgo, ator e poeta se suicidaria logo após ter terminado tal obra.

Escreve Artaud:

a sociedade amordaça a todos aqueles de quem ela quer se livrar, ou só proteger, por terem se recusado a converter-se em cúmplices de certas imensas porcarias. Um alienado, é, na realidade, um homem ao qual a sociedade se nega a escutar, e ao qual quer impedir que expresse certas verdades insuportáveis.

Nessa lista de silenciados, Artaud coloca, além de Van Gogh, gênios como Nerval, Baudelaire, Poe, Nietzsche, Kirkegaard, Holderlin, Coleridge. E não seria nenhum absurdo, atualizar tal lista, anacronicamente, com o próprio e com Fassbinder.

Se a obra foi o último grito de Artaud, serve também como trilha para adentrar no território artístico de Fassbinder, para entender a forma como viu a sociedade, como se relacionou a partir de seu gênio artístico a um mundo que sempre denunciou por ser opressivo e como se preservou, ou se destruiu, diante dele.

Fassbinder morreu, prematuramente, aos 37 anos, a mesma idade que tinha Van Gogh quando se suicidou, e morreu de overdose, tal qual Artaud.

Fassbinder dedica Despair para Artaud, para Van Gogh e para Única Zürn, pintora alemã que também se suicidou e que foi tratada pelo mesmo psiquiatra que tratou Artaud (Para quem se interessar por estas relações, Brigitte Peucker, no seu livro sobre Fassbinder, A Companion to Rainer Werner Fassbinder, as explora para analisar Despair).

Fassbinder trabalha Artaud em Teatro em Transe, neste filme lê trechos de Teatro e o seu Duplo, livro de Artaud. Já em Assado de Satã, usa versos do poeta para abrir o filme, mas o que mais assusta é o fato de as ideias de Van Gogh, Suicidado pela Sociedade, de Antonin Artaud, se aplicarem, em certa medida, a vida Fassbinder e dialogarem bastante com filmes como O Desespero de Veronika Voss.

Para Artaud, Van Gogh se matou “porque já havia, desgraçadamente, chegado ao término da sua fúnebre e revoltante história de individuo sufocado por um espírito maléfico”. Tal espírito seria a medicina, ou melhor, a psiquiatria encarnada aqui, segundo Artaud, na figura de Dr. Gachet, o psiquiatra de Van Gogh e a quem o pintor teria visitado dois dias antes da morte. Para Artaud, Gachet detestava Van Gogh como pintor, e, acima de tudo como gênio, queria endireitá-lo e endireitar a sua pintura.

Escreveu Artaud:

A medicina nasceu do mal, se é que não nasceu da doença e não provocou, pelo contrário, a doença para assim ter uma razão de ser; mas a psiquiatria nasceu da multidão vulgar das pessoas que quiseram preservar o mal como fonte da doença e que assim produziram do seu próprio nada uma espécie de guarda suiça para extirpar na raiz o espírito de rebelião reivindicatória que está na origem de todo gênio. Em todo alienado existe um gênio não compreendido, cujas ideias, brilhando na sua cabeça, apavoram as pessoas e que somente pode encontrar no delírio uma fuga às opressões que a vida lhe preparou.

Fassbinder, como Van Gogh e Artaud, sempre esteve à margem e produzia loucamente como forma de fugir as tais opressões. Não lhe receitavam drogas, e nem era necessário, os tempos são outros.

Numa entrevista a Hella Schlumberger, em 1977, Fassbinder afirma que a sociedade em que vive não traz a marca da felicidade e da liberdade, mas, pelo contrário, da opressão, do medo e da culpabilidade. “O que nos apresentam como alegria de viver é em minha opinião”, afirma ele, “o álibi apresentado ao individuo por uma sociedade marcada pela coação. E esta oferta eu não aceito, não desta maneira”. Indagada de onde tiraria forças para continuar trabalhando, a resposta remete diretamente ao contexto citado por Artaud:

Da utopia, do desejo muito concreto desta utopia. Se me tirarem este desejo, não farei mais nada; por isso, justamente, é que também tenho a sensação de ser assassinado na Alemanha como criador, se me fizer o favor de não tomar isso como paranoia. Essa caça as bruxas dos últimos tempos, e considero que não passa da parte visível do iceberg, foi em minha opinião orquestrada para destruir as utopias individuais. E também, portanto, para que meu medo e meu sentimento de culpa viessem à tona. Se eu chegar a este ponto, se meu medo levar a melhor sobre o desejo que me puxa para as coisas belas, neste caso eu jogo a toalha. E não só no trabalho

Fassbinder acabou jogando a toalha cinco anos depois, morreu em junho de 1982, e as circunstâncias de sua morte nunca foram claras: overdose ou suicídio premeditado?

Artaud certamente diria que também ele Fassbinder também foi suicidado pela sociedade.

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