Ano VII

Jogos Vorazes – Em Chamas

quinta-feira nov 21, 2013

Jogos Vorazes – Em Chamas (Hunger Games: Catching Fire, 2013), de Francis Lawrence

Após a certeira manobra de Katniss (Jennifer Lawrence) no final da aventura anterior, ao encenar um romance com Peeta (Josh Hutcherson) somente para atrair patrocinadores e, em seguida, com a devida atenção dos espectadores já conquistada, esboçar suicídio para forçar uma alteração nas regras do jogo (de modo que os dois pudessem sair como vencedores), a encontramos transformada em celebridade instantânea, prestes a embarcar numa “Turnê da Vitória”, ao lado daquele que, apenas à luz artificial dos televisores, é seu namorado. Ocorre que pouco aqui está em seu devido lugar: Katniss não se conforta nem com a postura exigida pela Capital (de garota propaganda do governo) nem com a posição de símbolo de esperança para a revolução.

Neste segundo capítulo da saga adolescente, é possível distinguir com mais clareza alguns traços peculiares à série, bem como nos certificarmos de que algumas ideias bacanas do capítulo anterior foram, felizmente, bem trabalhadas e exploradas devidamente, ao invés de sufocadas e repetidas à exaustão. O que valia a pena no Jogos Vorazes de Gary Ross (capaz de nos fazer suportar sua clara limitação na decupagem), estava na sua espalhafatosa sátira política misturada a uma mambembe aventura juvenil, criando um divertido visual mezzo-faroeste, mezzo-ficção-científica-distópica, que conferia ao blockbuster uma roupagem de produção B, próxima ao gosto kitsch dos endinheirados da Capital, que ora emulam o rococó ou o Império Romano, ora espelham-se nos mais condenáveis programas de auditório.  

Todo este prazer ligeiro amplifica-se consideravelmente em Jogos Vorazes – Em Chamas, agora sob a direção do competente Francis Lawrence, responsável pelo bom Eu Sou a Lenda. Se Jennifer Lawrence continua muitíssimo bem em seu papel, os coadjuvantes não fazem por menos, e as personagens que já nos são familiares ganham em nuances. Peeta, por exemplo, é agora digno do impasse afetivo de Katniss, algo que antes parecia meramente descabido. É ele quem, durante a primeira escala da turnê, liberta-se do discurso imposto, começando a incitar a combalida plateia do 11º Distrito.

Com as novas e fundamentais personagens, Katniss descobre a necessidade de construir alianças, lembrando que o tema daqui é “Lembre quem é o seu verdadeiro inimigo”, o que torna a necessidade de erguer um conjunto, algo mais fundamental à sobrevivência do que qualquer habilidade de combate: durante a primeira noite do jogo em si (que só começa após uma hora e meia de projeção e não ultrapassa cinquenta minutos), ela não confia naquele que seria tipicamente o seu rival, Finnick (Sam Claflin), e decide fazer ela mesma a vigília, apenas para sucumbir ao sono, instantes depois, quase levando sua equipe ao aniquilamento, numa sequência de grande aflição. Outra personagem que, de início, poderíamos enxergar como uma vilã mais tradicional, é Johanna Mason (Jena Malone), responsável por muitos dos momentos cômicos da trama. Contudo, ambos competidores serão fundamentais à vida da heroína. Também entre os novatos, Phillip Seymour Hoffman é o idealizador-chefe dos Jogos, o único capaz de dialogar em pé de igualdade com o Presidente Snow (Donald Sutherland). É ele quem sugere cobrir o casal de mimos enquanto a repressão aumenta nas ruas, intuindo, assim, causar uma revolta do povo contra aqueles que, de outra maneira, perigam tornarem-se mártires. Numa breve e exemplar cena posterior, Snow comenta com sua neta sobre o seu novo corte de cabelo, trançado à maneira de Katniss, no que a menina responde ser igual ao de todas as suas colegas da escola. Neste instante, o velho percebe ter de tomar medidas mais severas para controlar a influência perigosa de sua própria criação midiática. O interessante desta cena (com o comentário de Snow), é que Lawrence confia na atenção de seu espectador, e não entrega um diálogo explícito, apenas para esclarecer o seu ponto – tal sutileza não encontra muitos paralelos em outras produções do gênero e irá ocorrer diversas vezes durante a trama.

Sendo este o capítulo do meio de uma trilogia (infelizmente transformada em quadrilogia, uma vez que o terceiro livro está sendo adaptado em dois longas-metragens), é sempre delicada a maneira como se deve concluir algo que, por natureza, permanecerá aberto. Neste aspecto, o que o cineasta consegue é salutar, apressando os acontecimentos derradeiros para deixar o espectador atordoado com os rumos de sua história, conseguindo inserir crítica social ao combo de pipoca e refrigerante. Eis o paradoxo habilmente explorado por seu filme: um espetáculo fendido por lampejos contra a espetacularização. Por mais que estes sejam invariavelmente epidérmicos, suas faíscas tresloucadas não devem ser negadas.

Bruno Cursini

 

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