Ano VII

Child´s Pose

segunda-feira out 28, 2013

Child´s Pose (Pozitia Copilului, 2012), de Calin Peter Netzer

Calin Peter Netzer, com o seu primeiro filme, Maria, ganhou dois prêmios importantes em Locarno em 2003; Child´s Pose, seu terceiro filme, venceu o Urso de Ouro e o Prêmio da Crítica em Berlim em 2013.

Child´s Pose, que vai se chamar Instinto Materno no Brasil, se assenta em dois planos: o primeiro e mais forte, o familiar, tendo como centro uma mãe extremamente protetora lutando para salvar, da justiça, o filho que atropelou uma criança pobre numa estrada, e, em um segundo plano, estão as desigualdades sociais e o patrimonialismo que reinam na Romênia, fazendo com que a família rica e bem relacionada consiga burlar a lei, sobrepondo-se, no caso, à família pobre nesta tragédia que as “une”.

Mas entre o drama humano e a configuração social – poderia-se até pensar no filme como uma metáfora para o estado romeno atual -, Child´s Pose deriva fortemente para o humano, traçando um perfil psicológico bastante interessante das personagens, sobretudo, da mãe, a sexagenária Cornelia, numa atuação bastante convincente da atriz Luminita Georghiu.

Porém, incomoda no filme, e desde a primeira sequência, a do diálogo entre Cornélia e a cunhada, a opção por uma câmera mosquito que fica ziguezagueando os personagens, e mais desorientando o espectador do que conseguindo criar uma atmosfera de intimidade. Nas sequências seguintes, à medida que o conflito mãe e filho se esboça, esse realismo chavão da câmera na mão acaba incorporado de maneira um pouco mais honesta à narrativa e ao filme, que se adensam. Mas tal adensamento, é verdade, ocorre muito em função do drama do atropelamento, em cuja crise o filme vai se montar para definir os perfis da mãe, do filho bundão, do pai bundão e da nora, esta um tanto perplexa com a loucura da família. Além deles, e do outro lado, estão os atropelados: a família pobre e enlutada, os policiais que, ainda que no íntimo se solidarizem com a dor dos mais frágeis, se veem também frágeis diante de um sistema de favor no qual os mais ricos se apropriam de toda e qualquer possibilidade de fazer justiça.

E entre mortos e feridos, a impressão que fica em Child´s Pose é que ele é o filme certo para angariar a simpatia das pessoas de bom coração. Certo porque trata do amor maior que é o amor materno, porque trata de um drama familiar que afeta qualquer um de nós em certa medida, porque trata de uma redenção ou de um confronto muito forte com nossa pobre humanidade. Mas tudo isso é tão calculado, tão igual a tantos outros filmes que venceram esses festivais de arte com formulas próximas a essa, deixando a sensação, muito comum num festival do porte da Mostra, de “já vi algo muito igual a isso”, até porque num intervalo de três a cinco anos sempre surgem filmes que são construídos, intencionalmente ou não, para atingir certos pontos sensíveis do corpo numa pobre catarse cinematográfica.

Longe de ser um filme desprezível, o que incomoda em Child´s Pose é a certeza da impunidade, pois o filme – e a provocação aqui é enorme – é uma versão ultra refinada e culta de uma reportagem sensacionalista de programas policiais da pior espécie. Ambos estão em lados opostos desse gosto humano pela tragédia só que com roupagens e legitimidade absolutamente diversas. E saindo de uma provocação e entrando em outra, fico pensando o quanto a força da mãe, que se impõe, que age e que tudo resolve não retrata a visão de um estado construído com base na força de ditadores sanguinários frente a uma sociedade e de pessoas fracas e ou fragilizadas – leitura que o filme pouco autoriza, é certo – e mais: o quanto essa imposição de um olhar, essa mão por demais forte, também não é a do próprio filme, que a partir de um desastre, o atropelamento, conduz os espectadores também atropelados a uma engenhosa – por isso o filme não é desprezível – manipulação de sentimentos. De uma forma ou de outra, a questão que surge, e que não me parece falaciosa, é que o filme legitima esse poder, inclusive dele próprio. E aos pobres, como ao pai do filme na última cena, e em outra escala os espectadores, só resta voltar para dentro de sua casa/cabeça, cabisbaixo, mais uma vez ultrajado, lembrando como o mundo é cruel e como a ordem de forças é imutável. 

Cesar Zamberlan

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