Ano VII

Dois filmes de Jacques Doillon

sábado out 26, 2013

Dois filmes de Jacques Doillon – sobre Um Filho Seu e Minhas Sessões de Luta

Jacques Doillon é um dos nomes mais importantes da pós-Nouvelle Vague, ao lado de Maurice Pialat, Jean Eustache e Philippe Garrel. O fato de ser menos consistente que os outros três não o torna menos admirável. Doillon tem vários filmes excelentes em sua carreira. A lista impressiona: Les Doigts Dans la Tête (1974), Un Sac de Billes (1975), La Femme qui Pleure (1978), La Pirate (1984), La Puritaine (1986), O Jovem Assassino (1990), Ponette (1996) e Raja (2003). Após este último, entrou numa fase complicada. Os filmes frágeis, raridades em seu currículo, tornaram-se comuns. Doillon realizou quatro filmes após 2003. Os dois últimos passam na 37ª Mostra.

Um Filho Seu é o penúltimo. Nele, Lou Doillon, o resultado exato da comunhão carnal de seus pais, Jacques Doillon e Jane Birkin, é Aya, a mulher/mãe dividida entre dois homens, um de cabelo emo, pai da garotinha Lisa, outro mauricinho, pai da criança que Aya carrega em seu ventre. Páreo duro para saber quem é o mais bobo dos dois. Eles parecem até mais interessados na pequena Lisa, o que faria sentido dada a infantilidade desses homens. Mas se digladiam por Aya, enquanto ela pratica o jogo de deixá-los desesperados.

O maior problema de Um Filho Seu é a impossibilidade de sentirmos qualquer interesse pelos vértices desse triângulo durante as pouco mais de duas horas de projeção. Vemos o jogo se desenrolando, os patetas sendo cada vez menos merecedores do amor de Aya, e ela, por sua vez, tornando cada vez mais incompreensível que alguém se interesse por ela. Não há muito o que dizer de um filme assim, com diálogos tão ocos, exceto lamentar pelo desperdício do nosso tempo e do talento de Jacques Doillon.

Felizmente, ele mostra fortes sinais de recuperação com seu último filme, Minhas Sessões de Luta. Nele, Sara Forestier brilha e se machuca como a moça sem nome que vai às sessões de psicanálise disposta a brigar para satisfazer seus anseios. O psicanalista, também sem nome (ambos são creditados como ela e ele) entra no jogo (novamente, um jogo sexual), e deixa de ser psicanalista para ser um amante, após o estágio em que leva também algumas bordoadas, afinal, o que ela quer é contato corporal mediado por certa violência. As brigas são impressionantes. De início, parecem brigas de irmãos, daquelas cujos golpes não visam um ferimento maior na vítima. Depois, começam a ficar mais realistas, um processo de autopunição mútuo sem o qual eles não se entendem. Em dado momento, percebemos hematomas no casal e ficamos achando que são de verdade. Doillon segue as brigas com uma câmera ágil, sempre na mão, o tipo de câmera que treme com um motivo, não pela desculpa de tensão prestes a explodir.

É uma câmera herdeira de Cassavetes, nervosa, arisca, pronta para brigar junto dos atores, se for o caso. Entenda-se aqui que estamos bem longe da confusão proposital promovida pelo cinema de ação atual. Doillon usa o recurso da câmera tremida como se deve. Ou seja, ela nem parece tremida, pois nos coloca diretamente em contato com aqueles corpos que se digladiam. O recurso, quando bem utilizado, mostra-se eficaz no entendimento das tensões e incongruências de nossas vidas, e de como muitas vezes elas se resolvem com mais facilidade na porrada.

Sérgio Alpendre

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