Ano VII

A Gangue dos Jotas

domingo out 20, 2013

A Gangue dos Jotas (Le Bande des Jotas, 2012), de Marjane Satrapi

O primeiro sentimento a se lidar ao final da sessão de A Gangue dos Jotas é a surpresa: seria este realmente o filme da mesma diretora de Persépolis?! Passado o susto e assumindo o legítimo interesse dela em trabalhar num registro distinto do que a popularizou vem a segunda pergunta: que diabos de comédia é essa?

Aparentemente trata-se de uma farsa na qual uma mulher misteriosa envolve dois estranhos numa mirabolante e pouco provável narrativa mafiosa. Ela aponta a urgência de eliminar a tal gangue dos jotas – uns espanhóis que mataram sua irmã – e eles, jogadores de badminton (!) que viajam pela Europa para competir em torneios, acreditam e assumem a missão.

Marjante Satrapi manipula o clichê à exaustão a ponto de causar irritação. Sobram planos e mais planos cuja motivação aparente é a tentativa de exercício, um comentário do cinema de gênero (a contra-plongèe da gangue, os planos abertos, a música citando Sérgio Leone etc). Ora afirmando e confirmando informações, ora colocando-as em dúvida.

Seria A Gangue dos Jotas um filme diletante? Sim, não fosse a recorrência de um assunto: as origens da tal mulher misteriosa. Didier (tem nome mais francês?), um dos jogadores de badminton, pergunta constantemente de onde ela vem, onde nasceu. Como se saber a nacionalidade garantisse a civilidade da mulher misteriosa.

A repetição desse argumento abre uma fresta para a única coisa realmente interessante no filme de Sartrapi: o sarcasmo crítico à visão eurocêntrica de mundo. Senão, como os dois rapazes acreditariam de prontidão nas fantasias dessa mulher? Qual a razão da curiosidade ilimitada de sua nacionalidade? Pois, por não conhecer o que se passa fora de seus portões, ambos (dois clichês do que pensamos ser os europeus, um francês típico e um nórdico loiro) simplesmente não enxergam os traços do rosto de Sartrapi e, pior, compram de bate pronto a narrativa dela.

Ainda assim, esforçar-se para dar um sentido a mais ao filme não implica atribuir-lhe uma força que ele não tem – pois, leitura por leitura, Almodóvar tenta nos convencer em suas entrevistas que Amantes Passageiros não é uma comédia rasa, mas uma metáfora contemporânea da Espanha. De qualquer forma é muito incômodo assistir a um filme que dispensa tão pouca atenção à encenação, confiando suas energias na brincadeira com os clichês. Tudo nesse filme é enredo.

Se A Gangue dos Jotas quer falar sobre enganar um olhar, nos truques possíveis do erro ao enxergar, não estaria justamente no olhar para o mundo, em sua apreensão – ou seja, na mise en scène –, a energia potencial não explorada no filme de Sartrapi? Não estaria justamente no aprofundamento do como olhar, e não numa repetição caricata da curiosidade do “é verdade ou não é o que estamos assistindo?”, a chance que o filme deixa escapar?

Há ainda a possibilidade que a leitura que este texto propõe do filme – comentário sarcástico do personagem europeu que olha, mas não enxerga o outro, achando normal a equação “estrangeira = faz sentido que ela tenha ligação com a bandidagem” –  não passe de uma inútil tentativa de procurar pelo em ovo e de evitar assumir a latente efemeridade do filme. Aí A Gangue dos Jotas fica pior ainda, não passando de uma gigantesca e diletante bobagem.

Heitor Augusto

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