Ano VII

Raça

domingo mai 19, 2013

Raça (2012), de Joel Zito Araújo e Megan Mylan

No início de Raça há uma informação interessante: o Brasil foi o último país a ter abolido a escravidão. Bofetada em quem diz que nunca existiu racismo por aqui. Existe e deve ser combatido. As informações seguintes, de certo modo, atenuam a salutar agressão. O Brasil teria se tornado uma das nações mais miscigenadas do mundo, um país famoso por sua harmonia racial. Seria irônico?

Obviamente isso será relativizado (ou mesmo negado) nas imagens vindouras, já que a verdadeira intenção de Raça é questionar algumas verdades sobre nossa gente, nossos costumes, nossa mistura, enquanto mostra a luta de duas personalidades negras (o senador Paulo Paim e o músico Netinho de Paula) e de uma mulher comum, neta de escravos e moradora em um quilombo, em assuntos de grande importância (representatividade dos negros na mídia, Estatuto da Igualdade Racial, reconhecimento da nação quilombola).

Em quase todas as cenas a impressão é de câmera escondida (que, no entanto, não se situa como se assim estivesse). Vemos o cotidiano dessas três pessoas como se fossemos testemunhas de seus atos. Ouvimos suas conversas, acompanhamos suas refeições. Por vezes podemos até ter vontade de pedir para Paulo Paim desligar seu celular, que insiste em tocar uma dessas melodias chatas que costumam poluir sonoramente os ambientes.

Sabemos que boa intenção não resulta obrigatoriamente em bom cinema. Tais elementos caminham com independência, e naufrágios são comuns quando se acredita que um bom tema é o bastante. No mais, o combate a algo abjeto como o racismo muitas vezes necessita de força e contundência. Características que o filme apresenta, mas em doses pequenas.

Raça tem uma edição inteligente e alguns achados, como a contraposição de um discurso do senador Demóstenes com o de Paim, a titubeada que a câmera dá antes de desistir de mostrar a Dona Rosa e, principalmente, a entrevista em que Paim menciona os direitos civis conquistados pelos negros norte-americanos nos anos 1960 e encerra com uma provocação marota à entrevistadora: "Está aqui o relator, você não quer conversar com ele? Ele é branco, viu?"

Sérgio Alpendre

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