Ano VII

As fusões sonoras do Return to Forever

segunda-feira nov 21, 2011

Da esquerda para a direita: Lenny White, Chick Corea, Al Di Meola e Stanley Clarke

Por Bento Araújo *

Foi por volta de 1971 que Chick Corea percebeu que tinha uma necessidade urgente de se “comunicar” com o público. Acostumado à cena de vanguarda do estilo nos anos 60, Corea sabia também que o público desse tipo de música era sempre pequeno e radical. Através dos ensinamentos de L. Ron Hubbard, e sua popular “Church of Scientology”, o músico passou a se ligar no lado espiritual da existência. Pitadas de influência da Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin, e também de Yes e ELP concluíram a receita, que recebeu o nome de Return To Forever e trazia além de Corea, Stanley Clarke, Joe Farrell, Airto Moreira e Flora Purim. “Return to Forever” foi o nome da primeira composição de Corea para seu novo projeto e também o nome de seu primeiro álbum pelo selo ECM, que foi lançado somente na Europa (nos EUA só saiu três anos mais tarde). O time acompanhava também Stan Getz nessa época e a estreia como Return To Forever aconteceu no tradicional palco do Village Vanguard de New York. Muito improviso experimental e longos solos de baixo de Clarke e de flauta/sax de Farrell eram o diferencial do grupo, além da percussão tipicamente brasileira de Airto e da voz de Flora, que dava um toque mais comercial e universal na banda, permitindo assim a maior “comunicação” musical tão almejada por Corea. Antes dessa sua nova aventura, é bom ressaltar que depois dele ter trabalhado com Miles Davis em álbuns como In a Silent Way e Bitches Brew, Corea fundou o Circle ao lado de Dave Holland, Anthony Braxton e Barry Altschul; que teve breve vida.

O combo excursionou com sucesso pelo Japão e o segundo trabalho surgiu em 1973, com o nome de Light As A Feather, e trazia alguns sons que Corea havia composto e gravado com Stan Getz no álbum Captain Marvel, lançado no ano anterior e que trazia também o grande Tony Williams na bateria. Light As A Feather acabou se tornando um marco por diversas razões: primeiro porque foi o disco de estreia da banda nos EUA, já que o disco o homônimo foi lançado por lá extremamente defasado; segundo porque trazia “Spain”, talvez o mais proeminente e reconhecido tema de Corea, um autêntico standard do jazz. O disco também contém a primeira da série “Children’s Song” do músico, e “500 Miles High”, que na época foi acusada de ser uma alusão as drogas, o que Corea desmentiu, dizendo que se tratava de um vôo de um espírito evoluído.

Na seqüência, Farrell, Airto e Flora deixam o RTF para montar um outro projeto. Chick Corea escala então um guitarrista de rock que tocava no grupo Spiral Staircase (Bill Connors), um baterista de primeira (Steve Gadd) e um percussionista (Mingo Lewis). Lewis logo cai fora e Gadd não pode ficar devido a sua agenda corrida de gravações em estúdio acompanhando grandes nomes, então para seu posto veio uma lenda da bateria: Lenny White. Com esse time o RTF estava mais “roqueiro”, totalmente instrumental e pronto para encabeçar ao lado da Mahavishnu e do Weather Report a cena jazz-rock dos anos 70. O primeiro fruto dessa excelente fase surge com o nome de Hymn Of The Seventh Galaxy, para muitos fãs o melhor trabalho do conjunto. A bolacha tinha sido gravada com a formação anterior, mas o vigor e o fogo do novo time era tamanho que Corea fez sua nova formação regravar o disco. Órgão, piano elétrico e até sintetizadores eram usados pelo tecladista, Clarke usava pedais de distorção, assim como Connors e isso aproximava ainda mais o som da banda com o rock progressivo do período. Outras influências enriqueciam ainda mais a fusão do RTF: jazz latino, space rock, funk, rock psicodélico, e até jazz de vanguarda.

Hymn Of The Seventh Galaxy trazia tantas ótimas composições que foi um alívio saber que o disco chegou a figurar nas paradas, até na parada pop da Billboard da época! Corea havia conseguido, estava alcançando um grande público através de sua visão musical e espiritual.

O posto de guitarrista do RTF volta a ficar vago e Earl Klugh é escalado às pressas, mas fica apenas por uma excursão. Seu substituto é um jovem de 19 anos de idade chamado Al di Meola, fresquinho da Berklee School of Music. Com um Meola ainda meio “tímido” e não totalmente solto, o RTF lança em 1974 outro grande álbum: Where Have I Known You Before, com Corea abusando de Moog, Minimoog e de um sintetizador ARP Odyssey. A produção, execução e gravação também estavam com um maior cuidado. O grupo parecia mais focado e pronto para trilhar o caminho aberto no peito e na raça com o trabalho anterior; a épica faixa de encerramento do novo disco, “Song to the Pharaoh Kings”, deixava isso claro. Mais uma grande turnê se seguiu e o encerramento aconteceu de forma luxuosa no Carnegie Hall, em New York.

O quinto trabalho do RTF veio em 1975, No Mistery, e abocanhou o Grammy como a melhor performance jazz em grupo. O disco era mais variado, com todos os integrantes contribuindo com pelo menos uma composição cada. A abertura com “Dayride”, de Clarke, já dita as regras do jazz-funk que ele viria trilhar mais adiante em sua carreira como solista. “Flight of the Newborn” é o primeiro tema de autoria de Al di Meola a ser registrado em disco e pode ser considerado um tema pioneiro da arte do “shred guitar”, aquela maneira rápida, complexa e para alguns “atropelada” de se tocar guitarra, que ficaria muito popular no heavy metal dos anos 80. O RTF se mandou então para a Columbia Records, com Corea mantendo sua carreira-solo na Polydor.

Para 1976 muitas mudanças. Primeiro a banda passa a ser chamada apenas como RTF. O “featuring Chick Corea” sai das capas dos discos e dos cartazes dos shows. A nova mudança está estampada na capa do próximo disco, o imponente Romantic Warrior, envolvido numa temática medieval (a arte gráfica é fabulosa) e no sucesso que Rick Wakeman vinha tendo no período utilizando uma temática semelhante. Outros grandes nomes do rock progressivo britânico também gostavam da temática e isso deixou o RTF ainda mais próximo do rock progressivo nesse trabalho. Com teor requintado e uma sonoridade encorpada, Romantic Warrior vendeu bastante e se transformou no maior sucesso comercial da banda, agora mais madura e entrosada do que nunca. A faixa-título e seus quase onze minutos é um caso a parte, toda acústica e com solos individuais soberbos da rapazeada. O harpsichord de Corea é o destaque em “Majestic Dance”, de autoria de Meola, outro ponto alto. O álbum é inteiramente dedicado a L. Ron Hubbard, o guru de Corea.

Uma extensa e concorrida turnê rolou na seqüência do lançamento do disco, e um contrato multimilionário foi assinado com a CBS. O que ninguém esperava é o que Corea havia exatamente planejado: o líder implodiu o grupo e começou novamente da estaca zero, mantendo apenas o fiel Stanley Clarke da antiga formação. Corea abriu mão de Al di Meola e Lenny White, escalou um naipe de metais trazendo de volta Joe Farrell, o baterista Gerry Brown e sua esposa Gayle Moran para os teclados e vocais. Essa última encarnação do grupo rendeu um disco de estúdio em 1977 (Musicmagic) e um ao vivo (Return to Forever Live, gravado em 1977, mas lançado somente em 1979). O som se aproximava ao do início do conjunto, mais suave e repleto de nuances; ainda (se não mais) complexo, porém menos agressivo.

Clarke na seqüência abandonou a “Church of Scientology” e isso foi um golpe duro em Chick Corea, que resolveu então subitamente encerrar as atividades de seu Return To Forever. A formação clássica (Corea/Clarke/Di Meola/White) voltou a se reunir para alguns shows em 1983, mas como registro para a posteridade deixaram apenas uma única faixa, “Compadres”, lançada no álbum Touchstone, de Corea.

A bomba mesmo veio somente 25 anos depois, com a volta dessa mesma formação para uma tour de verão pelos EUA e pela Europa, e um disco duplo ao vivo lançado no ano seguinte, com o sábio nome Returns.

 

* Texto originalmente publicado na poeiraZine #33 (versão impressa), novembro de 2010.

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